Crítica sobre o filme "Nascido Para Matar":

Jorge Saldanha
Nascido Para Matar Por Jorge Saldanha
| Data: 20/06/2009

Quando se fala em Guerra do Vietnã no cinema, uma "Santíssima Trindade" de filmes vem de imediato à cabeça: APOCALYPSE NOW, de Francis Ford Coppola (1979), PLATOON, de Oliver Stone (1986) e este NASCIDO PARA MATAR (FULL METAL JACKET, 1987), de Stanley Kubrick. Dos três, considero o filme de Coppola o melhor disparado (principalmente em sua versão original, já que a "Redux" inclui uma subtrama que alonga demais o filme e pulveriza seu impacto), com o de Stone vindo em um honroso segundo lugar. O problema com a incursão bélica de Kubrick é que ela não tem o impacto das demais - em que pese muitos a considerarem outra das grandes obras-primas do diretor, ou até mesmo "o melhor filme de guerra já feito". Para mim ele é dos filmes mais fracos do diretor, que teve a louvável intenção de fazer um filme de guerra estilizado, focado no processo de transformação de jovens comuns em máquinas de matar. E essa linha é muito bem explorada na primeira metade do filme, sem dúvida a que mais vale a pena ser assistida.

No primeiro ato, que se passa em um campo de treinamento de fuzileiros nos EUA, o fio condutor é o personagem Gomer (Vincent D´Onofrio), um bonachão gorducho e "devagar", que é implacavelmente atormentado pelo instrutor, o Sargento Hartman (o ótimo R. Lee Ermey, em uma caracterização antológica). Os insultos politicamente incorretos de Hartman dirigidos aos recrutas são um show à parte - mais sadicamente engraçados, impossível. Nos treinamentos Gomer sempre fracassa, e ao seu colapso físico segue-se também o colapso mental, acelerado pela retaliação de seus colegas provocada pelos castigos do instrutor a todo o pelotão, em função dos erros dele. Após o desmoronamento de Gomer, narrado por Kubrick de forma similar ao enlouquecimento progressivo de Jack Torrance em O ILUMINADO (1980), entramos na segunda parte do filme, onde Joker (Matthew Modine), testemunha privilegiada da degradação de Gomer, busca fugir das atrocidades da guerra atuando como jornalista do exército. Porém ele acaba indo para a linha de frente com o pelotão de seu ex-colega de treinamento, Cowboy, que passa a ser dizimado por um franco-atirador vietnamita oculto nas ruínas da cidade de Hue.

O problema deste segundo segmento de NASCIDO PARA MATAR é que, após um primeiro ato soberbo, nele vemos apenas um filme de guerra padrão - mesmo contando com a perícia de Kubrick para tentar reafirmar os temas abordados inicialmente. O final, que seria a conclusão do inevitável processo de desumanização dos jovens soldados, carece da brutalidade e impacto necessários para tornar o filme o clássico que merecia ter sido. Ainda que vermos os jovens marchando e cantando a canção do Clube do Mickey provoque uma ironia à altura do talento de Kubrick. Outro senão é que, comparado à fantástica atuação de D´Onofrio, o desempenho de Modine, que teria de levar a segunda metade do filme nas costas, é para dizer o mínimo discreto, não gerando muita empatia com o espectador. De qualquer modo, NASCIDO PARA MATAR é um filme obrigatório para qualquer cinéfilo, já que faz parte da obra de um dos maiores cineastas da história. Nele facilmente notamos a genialidade de seu criador, que mesmo não tendo atingido todo seu potencial, ao final das contas criou um filme de guerra incomum e desafiador.