Crítica sobre o filme "Iluminado, O":

Jorge Saldanha
Iluminado, O Por Jorge Saldanha
| Data: 20/06/2009

O falecido Stanley Kubrick é considerado com toda justiça um dos maiores diretores da história do cinema. Sendo fotógrafo profissional antes de dedicar-se à Sétima Arte, ele desenvolveu um apurado estilo visual que atingiu seu ápice em 2001 - UMA ODISSÉIA NO ESPAÇO (1968). Após o fracasso de público de BARRY LYNDON (1975), Kubrick decidiu aventurar-se no gênero terror, aceitando da Warner a tarefa de levar às telas um dos mais populares livros de Stephen King, O ILUMINADO (THE SHINING). Mas por ser um legítimo diretor autoral, Kubrick, a fim de dar sua visão própria ao filme, alterou significativamente a trama e alguns aspectos importantes do livro. Tanto que King, publicamente, declarou não ter gostado da adaptação e não descansou enquanto não fez a sua própria versão, que chegou à TV em 1997 na forma de uma mini-série que, ao contrário do filme de Kubrick, hoje é pouco lembrada. Se na história original de King o sobrenatural era real, com o Hotel Overlook (construído sobre um antigo cemitério indígena) sendo de fato a morada de uma entidade maligna e fantasmas, o filme enfatizou os aspectos psicológicos e paranormais, deixando a impressão de que o que surge na tela não passa de visões nas mentes de Jack e Danny.

O maior medo provocado pelo filme não vêm dos fantasmas (que na visão de Kubrick seriam ecos ou energias negativas deixados no local pelos crimes praticados), mas sim da ameaça originada dentro da própria família. Apesar de ignorar praticamente todas as maiores fontes de sustos do livro de King, a abordagem do diretor, ao final, realça o que é a essência dele - o desespero de um homem de meia-idade que se vê fracassar como escritor, pai e marido, levando-o a uma progressiva demência que o torna uma ameaça às pessoas que o amam. Mesmo assim O ILUMINADO ainda é a clássica história da casa mal-assombrada que prega sustos no espectador, porém transposta às telas por um gênio que eleva o gênero para um nível mais sofisticado. Nela o diretor consegue incutir um senso de ameaça latente e constante, sabemos que algo ruim irá acontecer mas não fazemos idéia de quando, onde e como. Para isso ajudam bastante as interpretações convincentes que o diretor extraiu de seu trio de atores principais, não raras vezes após incontáveis takes extenuantes. Na época parte da crítica considerou a atuação de Nicholson caricata e exagerada, mas seguidas revisões do filme comprovaram que ela era bem mais que isso, possuía sutilezas que permitiram mostrar de forma convincente a transformação de um pai de família gentil em um psicopata assassino. Os momentos de insanidade de seu personagem originaram cenas que hoje são clássicas no cinema de horror, como a em que ele golpeia a machadadas a porta do banheiro onde sua esposa se refugiou, coloca a cabeça pelo buraco da porta, olha para Wendy com um sorriso ensandecido e anuncia "Aqui está Johnny!".

Shelley Duvall, a quem o diretor tratou asperamente durante as filmagens, fragilizando-a para que, na tela, expusesse uma legítima vulnerabilidade, igualmente está muito bem. Em outra cena clássica, ela examina os textos no qual Jack estava trabalhando nas últimas semanas, e com angústia lê apenas a frase “Só trabalho sem diversão fazem de Jack um bobão (na tradução original do cinema) nas folhas datilografadas. É neste momento que Wendy descobre que seu marido enlouquecera, e a cena é particularmente admirável porque dispensa diálogos, baseando-se apenas na manipulação de imagens feita por Kubrick e na expressão facial da atriz, cujo desespero aumenta conforme ela vai folheando as páginas contendo a mesma frase repetida incontáveis vezes. Por fim o garoto Danny Lloyd, apesar da pouca idade, também teve uma atuação exemplar, ainda mais considerando as difíceis situações enfrentadas por seu personagem.

Além do elenco, outra ferramenta habilmente utilizada por Kubrick no filme foi a Steadicam, operada por seu próprio inventor, Garrett Brown. A aplicação de lentes wide na câmera deu um tom assustador ao filme, fazendo com que os personagens fiquem isolados em cenários e locações que parecem maiores do que realmente são. O constante movimento da Steadicam, muitas vezes quase ao nível do chão, dá a sensação de que os atores estão sendo seguidos por alguém - ou alguma coisa. As cenas de Danny andando de triciclo pelos corredores, e ao final correndo no labirinto do jardim do hotel, devem ser vistas obrigatoriamente por qualquer diretor de fotografia. Não podemos também esquecer da assustadora trilha musical que utiliza peças eruditas e composições originais de Wendy Carlos. Juntamente com um primoroso trabalho de edição de som, ela é o elemento final que faz de O ILUMINADO um filme de terror único, uma das raras obras-primas do gênero em tempos modernos.