Crítica sobre o filme "Sereia do Mississipi, A":

Eron Duarte Fagundes
Sereia do Mississipi, A Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 07/09/2009
A sereia do Mississipi (La sirene du Mississipi; 1969) é um dos filmes do francês François Truffaut menos estimados por seus admiradores; foi recebido em sua época com frieza pelos críticos e pelo público; entre junho e julho de 1969, quando se deram suas primeiras exibições na França, o número de assistentes chega a cem mil, plateia considerada escassa para o prestígio de um Truffaut, que vinha de um sucesso comercial, Beijos proibidos (1968). Talvez a frieza formalista deste Truffaut, cuja inspiração de tons, narrativa e cores parece ser a obra-prima Um corpo que cai (1958), do inglês Alfred Hitchcock, tenha irritado aqueles que se apaixonaram pela vivacidade de Os incompreendidos (1959) e Uma mulher para dois (1961). Mas A sereia do Mississipi não é um pastiche ipsis litteris da elegância hitchcockiana de filmar, como, por exemplo, o são muitos filmes antigos do norte-americano Brian de Palma; em seu filme Truffaut impõe sua própria sutileza gaulesa de encenação e há um tom encantatório que, me parece, suplanta a excessiva correção de formas em que os detratores da realização sempre instaram.

São três as estrelas de A sereia do Mississipi. Os atores franceses Catherine Deneuve e Jean-Paul Belmondo, e o diretor de cinema François Truffaut. Esta química funciona bem e ainda hoje sobrevive, o que não acontece com muita coisa feita naquela época. Catherine vive uma vigarista tão ingênua quanto tarimbada que é posta à prova para seduzir e roubar o tolo macho latino vivido por Belmondo; a forte atração entre exploradora e vítima é posta diante das câmaras com o brilho dos atores e as engenhosidades de intenções de Truffaut. Dedicado a Jean Renoir, uma espécie de Papa de todo o cinema francês, A sereia do Mississipi não deixa de ser um filme de estranhezas e inquietações; a figura feminina de equívocos que é a personagem de Catherine foi certamente extraída dos movimentos de Kim Novak em Um corpo que cai, de Hitch, mas Truffaut e sua intérprete lhe dão algumas outras extensões.

Não tão bom quanto os melhores Truffaut, mas certamente muito melhor do que a severidade histórica quer fazer crer. (Eron Fagundes)