Costumo dizer que, como cinema, os filmes de JORNADA NAS ESTRELAS não são grandes obras. Mas isso por si não deve ser visto como um demérito a eles, mas como a constatação prática de que os filmes mais queridos pelos fãs da franquia são os que melhor exploram os elementos das séries originais, e não os cinemáticos. Afinal, foi na tela pequena que os fãs aprenderam a amar as aventuras dos tripulantes da Enterprise, e no fundo o que eles esperam é ver na tela grande mais do mesmo – ainda que com o acabamento superior que um filme de cinema deve ter. E isso nos leva diretamente a JORNADA NAS ESTRELAS – O FILME (1979), o único dos filmes originais a receber tratamento digno de uma produção cinematográfica de primeira linha (entenda-se: grande orçamento). Inclusive, ele foi um dos últimos filmes com uma introdução orquestral antes dos créditos (nos moldes de épicos de Hollywood como BEN HUR), onde ouvimos o belo “Ilia’s Themeâ€, uma das composições da excelente trilha sonora de Jerry Goldsmith. Contando com uma equipe de primeira linha, encabeçada pelo famoso diretor Robert Wise (O DIA EM QUE A TERRA PAROU, O ENIGMA DE ANDRÔMEDA), o filme possui uma trama cerebral baseada no episódio da SÉRIE CLÃSSICA “Nômadeâ€. Com um script conturbado em razão dos conflitos criativos entre os roteiristas, Gene Roddenberry e até mesmo os astros William Shatner e Leonard Nimoy, ele resultou longo, frio e com uma trama que não explora todo o potencial do reencontro do trio Kirk, Spock e McCoy a bordo da Enterprise. Além disso uma série de percalços de produção levaram a que o filme fosse lançado com vários problemas técnicos (muitos efeitos visuais, embora supervisionados por feras como Douglas Trumbull e John Dyksra, foram mal finalizados) e estruturais (montagem), o que causou a impressão de que fora lançado de forma inacabada. Parte deles foi resolvida com o lançamento em DVD, em 2001, da versão supervisionada diretamente por Robert Wise. Mas o que temos agora neste box é a versão original do cinema, em toda a sua paquidérmica glória, mas que ainda assim reserva momentos de emoção para os fãs – com destaque para a longa inspeção de Kirk da reformada Enterprise NCC-1701, ainda na doca espacial, ao som da memorável música de Goldsmith.
Apesar dos pesares o filme de 1979 foi um sucesso e garantiu uma continuação feita com recursos bem menores, JORNADA NAS ESTRELAS II: A IRA DE KHAN (1982), mas que se tornou o melhor filme da franquia e conseguiu extrapolar o “nicho STAR TREKâ€, passando até a ser uma referência na cultura pop mundial. Exemplo disso é a citação ao velho ditado Klingon "A vingança é um prato que se serve frio" no inÃcio do KILL BILL de Quentin Tarantino. O filme dá seguimento a um dos melhores episódios da SÉRIE CLÃSSICA, "Semente do Espaço", e dele resgata o maior vilão da franquia, Khan Noonien Singh (Ricardo Montalban). O vilão, aliás, é uma das grandes vantagens deste longa sobre os demais (inclusive do recente longa de J.J. Abrams). Comparar Khan, em inspirado desempenho de Montalban, com o Nero de STAR TREK, e pior ainda, com o Shinzon de NÊMESIS, chega a ser covardia. Mas além disso sentem-se os aspectos revigorantes propiciados pela entrada do diretor Nicholas Meyer e do produtor Harve Bennett na equipe. O filme tem uma atmosfera sombria, de perigo latente, e é todo construÃdo como uma grande aventura naval no espaço. A Enterprise realmente parece ser uma nave militar, e os combates espaciais, brilhantemente realizados pela equipe da ILM, também seguem o estilo naval, como se tratasse de um duelo de submarinos – algo no estilo do que vimos no episódio da SÉRIE CLÃSSICA “O EquilÃbrio do Terrorâ€. Além disso, como roteiristas não-creditados, Meyer e Bennett adicionaram muitas referências à literatura clássica (Moby Dick, por exemplo) nos diálogos, o que enriquece a trama. E a eletrizante trilha original de James Horner tornou-o um dos compositores mais requisitados do cinema. Vale ressaltar que esta nova versão em DVD e Blu-ray de A IRA DE KHAN não é a mesma “Versão do Diretor†lançada anteriormente, portanto tem alguns minutos a menos. Mas em qualquer versão que seja, este filme é ótimo do inÃcio ao fim (e que fim!), e inaugurou a mÃtica de que, nos filmes de JORNADA NAS ESTRELAS, os de número par são sempre melhores que os de número Ãmpar. Talvez seja por isso que, depois de algum tempo, eles deixaram de ser numerados.
O final de A IRA DE KHAN, quando após o funeral de Spock vemos seu esquife no planeta Gênesis, implorava por uma continuação, e ela chegou com JORNADA NAS ESTRELAS III: À PROCURA DE SPOCK (1984). Para mim, esta estréia na direção de Leonard Nimoy nunca foi um destaque da série, ficando em um razoável meio termo entre os que considero melhores e os piores (estes dominados por quase todos os longas da NOVA GERAÇÃO). Houve uma flagrante intenção de corrigir pretensas falhas do capÃtulo anterior (se naquele Kirk nunca confrontou pessoalmente Khan, agora foi providenciado um confronto fÃsico entre o almirante e o vilão Klingon Kruge). Mas acima de tudo o filme, conceitualmente, foi produzido para trazer Spock de volta do além, e seu roteiro teria de arranjar soluções satisfatórias para esta demanda, a partir do gancho deixado em A IRA DE KHAN (“Lembre-se!â€). Apesar de não ter resultado tão bom como poderia ser (até mesmo a trilha de James Horner não está à altura da anterior), o fato é que este terceiro longa acabou sendo importante para a mitologia de JORNADA, já que nele há acontecimentos de grande relevância, como a primeira aparição de uma Ave de Rapina Klingon e da Excelsior (a futura nave do Capitão Sulu), a morte do filho de Kirk, a destruição da Enterprise original e, é claro, a volta de Spock ao mundo dos vivos e o seu reencontro com os amigos, na tocante cena final.
No que seria a conclusão de uma trilogia não planejada iniciada com A IRA DE KHAN, o filme seguinte foi JORNADA NAS ESTRELAS IV: A VOLTA PARA CASA (1986), que acabou tornando-se um dos mais globalmente populares da série, provavelmente por causa da mensagem ecológica da trama leve e bem humorada – ficou conhecido como “o filme das baleiasâ€. Mas, indo na contramão da maioria, acho este, novamente dirigido por Nimoy e com a participação de Nicholas Meyer no roteiro, um dos piores filmes com a tripulação original, que utiliza uma solução simplória para resolver a crise (Ah, as baleias estão extintas no século 23? Simples, voltemos no tempo até o século 20 para pegar um casal de jubartes!) e trata com um humor forçado tragédias potenciais (como a perseguição a Chekov, ao som de uma trilha alegre e deslocada de Leonard Rosenman, que termina com o russo à beira da morte). Revisto hoje o filme me parece ser ainda pior, apesar de se manter como uma diversão rápida e rasteira que, no final, mostra o rebaixamento de Kirk ao seu posto anterior (Capitão) e o surgimento da nova Enterprise NCC 1701-A.
JORNADA NAS ESTRELAS V: A ÚLTIMA FRONTEIRA (1989) foi o primeiro e o último filme da franquia dirigido por William Shatner, e infelizmente é daqueles que parece confirmar a “maldição dos números Ãmparesâ€. O começo até que é bom, quando vemos a tripulação durante uma folga no Parque Yosemite. Mas a boa premissa é desperdiçada com efeitos visuais medÃocres (dessa vez a cara ILM foi deixada de lado) e cenas constrangedoras, como a de um diplomata Klingon bêbado arrotando e Uhura mostrando as veteranas pernocas para um bando de alienÃgenas no atraso. Sem falar no vilão Klingon, que parece saÃdo de uma banda de trash metal. E se a ambição de Sybok – encontrar o paraÃso habitado por Deus – parece grandiosa, ela esbarra nos obviamente parcos recursos de produção. Aliás, segundo Shatner a falta de dinheiro foi o que mais prejudicou o filme, mas foi isso que levou ao corte da cena de Kirk, no final, enfrentando homens de pedra – o que, convenhamos, evitou que o filme caÃsse num ridÃculo atroz. Enfim, temos aqui o mais fraco filme da coleção, mas que ainda assim vale a pena pela ótima trilha de Jerry Goldsmith e pelas cenas de Kirk, Spock e McCoy confraternizando em volta da fogueira.
Já com o elenco original envelhecido e merecendo a aposentadoria, Nicholas Meyer retornou à direção com JORNADA NAS ESTRELAS VI: A TERRA DESCONHECIDA (1991), que comemorou os 25 anos da franquia e encerra com chave de ouro este box de filmes com a tripulação clássica. Meyer, além de dirigir, também ajudou a escrever o roteiro baseado em uma idéia de Leonard Nimoy que, a partir da comparação dos Klingons com os soviéticos, essencialmente adaptou para o futuro e para as estrelas o fim da Guerra Fria, precipitada pela crise que atingiu a União Soviética após a explosão da usina nuclear de Chernobyl. Alguns poderão criticar o filme por, em princÃpio, ser um tanto atÃpico para a série. Mas o fato é que essa é uma avaliação superficial e precipitada: a inteligência de sua concepção e o toque pessoal de Meyer, que entre outras coisas fez do General Chang (Christopher Plummer) um vilão que recita Shakespeare - em klingonês! - proporciona alguns dos melhores momentos de toda a franquia. Aliás, como em A IRA DE KHAN, as referências literárias de Meyer (como o nome do planeta prisão, Rura Penthe, retirado de 20.000 Léguas Submarinas) robustecem a trama cheia de complôs, que desemboca em uma movimentada conclusão quando a Enterprise e a Excelsior enfrentam a Ave de Rapina de Chang, paralelamente à s negociações de paz. Para os fãs de SEX AND THE CITY o filme tem um atrativo a mais: ver Kim Cattrall, hoje mais conhecida como a Samantha da série da HBO, como a Tenente Valeris. Além disso Christian Slater, fã da série e à época em ascensão, tem uma ponta como um tripulante da Excelsior que trava um pequeno diálogo com o Capitão Sulu (George Takei). Um grande filme, com uma poderosa trilha musical do então novato Cliff Eidelman, criado para marcar de forma digna a despedida dos atores e personagens da SÉRIE CLÃSSICA. Pena que no longa seguinte, GENERATIONS, já com a tripulação de Picard, tenham trazido de volta Kirk para morrer de forma patética.