Crítica sobre o filme "Inimigos Públicos":

Wally Soares
Inimigos Públicos Por Wally Soares
| Data: 09/11/2009
Um exercício cinematográfico curioso, Inimigos Públicos é um drama policial com mais de duas horas de duração que, de seu início pomposo ao seu fim melancólico, nunca falha ao empolgar ou envolver. Composto com extrema eloqüência e oferecendo uma visão de imensa desenvoltura em seu classicismo, é uma obra singular tanto em sua brutalidade quanto em sua paixão. É o cinema do século XXI colidindo com o clássico para narrar uma história que se passa nos anos 30. Uma obra que, da mesma forma que não hesita na hora de explorar as técnicas mais avançadas do cinema contemporânea ao construir cenas de ação eletrizantes, relembra a simplicidade apaixonada dos filmes de gângster do passado, como o próprio “Vencido pela Leiâ€, homenageado ao clímax da metragem.

O filme retrata os anos 30, em uma época pós-depressão, onde ocorria um impasse entre o FBI, na época liderado por J. Edgar Hoover (Billy Crudup), e os bandidos comandados por John Dillinger (Johnny Depp). Declarado inimigo público n° 1 dos Estados Unidos, os eventos do filme se passam após a saída de Dillinger da prisão ao ter servido nove anos por um roubo leve. Na prisão, fez grandes amigos dos quais ajuda escapar em uma grande fuga. Surge então o grupo de “inimigos públicosâ€, que rodam o país assaltando bancos e, no caminho, fazendo o departamento de polícia passar vergonha. É quando Melvin Purvis (Christian Bale) é colocado no comando de um grupo de agentes para prender Dillinger, ao passo que este se envolvia com a humilde Billie Frechette (Marion Cotillard).

Vindo do mestre que nos entregou Fogo Contra Fogo, discutivelmente o melhor filme de ação de todos os tempos, Inimigos Públicos é um filme de grande adrenalina e cenas de ação brutais em sua concepção. Com uma bravia edição, impecável tanto na composição das transições da história quanto na de sequências de ação, o filme é ágil e cheio de ritmo. Ao passo que Dante Spinotti nos presenteia com uma fotografia formidável que surge como a verdadeira síntese do filme como uma obra que serve de palco para a colisão do cinema clássico e contemporâneo. Da mesma forma que é evocativa de elegância e tons sempre belos na composição dos anos 30, a câmera diversamente resgata um estilo bem documental, com tons mais granulados e rebuscados, como se capturados em imagens de arquivo. É um elemento virtuoso que engrandece a magnitude técnica imposta ao filme. É realmente uma obra maravilhosa de se assistir, enchendo aos olhos. Seja com a própria fotografia, os figurinos perfeitos ou a direção de arte magistral em seu detalhamento.

Dito isso, e afirmando a firmeza (e beleza) com a qual Inimigos Públicos é composto em seu retrato quase visceral, não tem como negar o quanto a obra deixa a desejar na visão do próprio Dillinger. Apesar de ser um grande filme de ação e um drama policial bastante eficiente, o longa nunca almeja ser denso na hora de dissecar Dillinger. Um fato que não incomoda tanto por causa do desempenho repleto de camadas de Johnny Depp, um ator sublime que nunca erra. O roteiro, baseado em livro de Bryan Burrough, compensa a falta de um estudo de personagem mais sóbrio pelo surgimento caprichoso do romance entre Dillinger e Billie Frechette (interpretada de forma intensa por Marion Cottilard). O amor que surge entre John e Billie recebe um tratamento apaixonado pelo diretor, que compõe o relacionamento com dor e ânsias e, ao fim, termina por nos emocionar graças à beleza com a qual é retratado o efeito devastador que o sentimento provoca em ambas as partes. A última cena do filme é de uma beleza aterradora. Então, é quase como que os roteiristas tivessem simplesmente optado por outro rumo. Em prol do foco no próprio Dillinger, é delineado um relacionamento que surge ressoante em meio à um trama de policiais e ladrões que, em outro caso, poderia ter soado muito “preto e brancoâ€. Com a força de um romance que arde paixão em suas entrelinhas, é entregue uma dimensão maior.

Um fato que realmente chama a atenção em Inimigos Públicos é sua trilha sonora. Um tanto épica e especialmente romântica, a trilha de Elliot Goldenthal possui momentos de pura singularidade e perfeição, mas serve de motriz para os momentos mais fora de tom da obra. Em seus longos 140 minutos (dos quais nem vemos passar, alias) o filme possui momentos em que parece excessivamente exagerado em sua magnitude toda. E isso se deve, em parte, à música em vezes exagerada de Goldenthal. Por outro lado, a utilização da linda “Bye Bye Blackbird†surge como uma música tema perfeita para o romance entre John e Billie, que realmente representam a alma do filme. Depp e Cottilard possuem uma ótima química em tela e são os donos das melhores cenas. O elenco, alias, é especialmente virtuoso. Christian Bale está ótimo, mas desde Batman: O Cavaleiro das Trevas parece atuar em filmes onde seu personagem (e sua atuação) são sobrepostas por uma presença mais forte (neste caso, Depp). Além dele, o destaque fica por conta de Billy Crudup, que aparece pouco mais deixa uma impressão estupenda.

Inimigos Públicos pode então conter suas falhas (e seus exageros), mas é um filme que, em maior ou menor grau, impressiona. Seja na sequência de ação fenomenal na floresta, no diálogo maravilhoso entre John e Billie à beira da estrada, ou no seu clímax soberbo. Como já mencionado, o filme de gângster Vencido pela Lei, com Clark Gable, recebe uma homenagem ao fim. E representa o pique emocional e cinematográfico do filme. Trata-se de uma longa e bela sequência que é magistralmente editada e composta por alguns dos enquadramentos mais bonitos do cinema recente. Além de surpreender, o fim nos marca especialmente por, de uma forma digna, focar a tensão e a emoção ao invés da edição ágil e clima frenético. É uma história contada com paciência, desenvoltura e um olhar técnico e emocional dos mais sofisticados. Impossível resistir. (Wally Soares)