Crítica sobre o filme "Noiva Estava de Preto, A":

Eron Duarte Fagundes
Noiva Estava de Preto, A Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 20/11/2009
A noiva estava de preto (La mariée etait em noir; 1967) divide com A sereia do Mississipi (1969) a aura de ser o mais abertamente hitchcockiano dos filmes do realizador francês François Truffaut. Há quem inclua aí Um só pecado (1964), mas se pode dizer que aqui Truffaut transcende desta influência para aprofundar à sua maneira os estudos das relações humanas. Em A noiva estava de preto o espectador sente nas superfícies polidas o jeito de filmar elegante e sinuoso que Truffaut aprendeu com seu mestre Alfred Hitchcock, um dos grandes inventores duma específica linguagem cinematográfica (de uma certa maneira, e de maneiras diferentes, a sombra de uma obra como Um corpo que cai, 1958, talvez o ponto alto da filmografia de Hitch, perpassa todas as filmografias de Truffaut e dos também franceses Alain Resnais e Claude Chabrol); se aqui e ali em A noiva estava de preto se pode perceber a falta de autenticidade truffautiana marcada pelas liberdades de encenação duma obra-prima como Uma mulher para dois (1961), igualmente interpretada por Jeanne Moreau, uma das musas eróticas do cineasta, tudo é compensado pela precisão de movimentos cinematográficos em que Truffaut nunca desleixa.

Partindo dum romance policial de William Irish, o mesmo cuja obra literária serviu ao roteiro de A sereia do Mississipi, A noiva estava de preto centra sua ação na estranha ex-noiva vivida por Jeanne. Tendo enviuvado no dia de seu casamento, à saída da igreja, quando o noivo foi alvejado a tiros vindos de um incidente moleque de homens postos numa janela próxima, ela planeja sua vingança de uma mulher, indo à cata de cada um dos assassinos de seu noivo para exterminá-los; no fim, ela se deixa facilmente prender, porque o último vilão está preso e é no cárcere que ela vai executar o derradeiro gesto de seu périplo vingativo, cena que Truffaut descreve numa elipse visual que todavia não deixa de descarregar na faixa sonora o grito do assassinado.

Musicado por Bernard Herrmann, habitual colaborador de Hitchcock, e fotografado por Raoul Coutard, iluminador característico da nouvelle vague, A noiva estava de preto é um Truffaut menor mas sempre competente. Além da Moreau, desfila um elenco bem truffautiano: Jean-Claude Brialy, Claude Rich, Charles Denner (que, na pele dum pintor paquerador que converte a figura física de Jeanne num ícone sensual, antecipa a personagem que o ator viveria para Truffaut no admirável O homem que amava as mulheres, 1977). (Eron Fagundes)