Crítica sobre o filme "Ilha de Bergman, A":

Eron Duarte Fagundes
Ilha de Bergman, A Por Eron Duarte Fagundes
| Data: 09/03/2010
A ilha de Bergman (Bergman island; 2006) trata a ilha de Farö, onde o cineasta sueco Ingmar Bergman viveu e rodou a maioria de seus filmes desde os anos 60, como uma referência, não como um pólo central. Há tomadas rigorosas da ilha, a posição do cineasta Bergman dentro deste cenário e a maneira como esta ambientação se incrustou na estética bergmaniana. Todavia a verdadeira ilha de que trata o documentário dirigido pela sueca Marie Nyreröd (formada em jornalismo pela Universidade de Estocolmo, nascida em 1955 na cidade Arvika, na Suécia) é o interior espiritual de Bergman, sua entidade como indivíduo como ilha única no mundo contemporâneo: um gênio e, portanto, um ilhado. Logo, a ilha é Bergman.

A ilha de Bergman desvia o foco da ilha de Farö para o próprio cinema de Bergman, utilizando com precisão de montagem imagens dos clássicos do cineasta para misturá-las à visão de mundo que ele expõe em seu cinema-entrevista dado a Nyreröd. Embora a direção seja de Marie, o fato é que ela mimetiza o rigoroso e profundo estilo de filmar de Bergman e estamos de volta às tensões plásticas do universo bergmaniano. E são retomados alguns conceitos que Bergman expusera em seu livro autobiográfico A lanterna mágica (1987), como aquela dissertação sobre as pulsações eróticas existentes nas relações cinematográficas dos bastidores, um pouco para explicar suas perplexas convivências profissionais e sentimentais com suas atrizes: “Dirigir um filme é um trabalho que encerra um erotismo enorme, pelo fato de estarmos, sem reservas, tão perto dos atores, numa entrega total e recíprocaâ€, escreve Bergman em sua autobiografia, repetindo algo parecido no documentário de Marie, que contracena amiúde com o mestre nas imagens. O caso vida-arte em Persona (1966), onde Bergman começou as filmagens vivendo com Bibi Anderson e as terminou vivendo com a outra atriz do filme, Liv Ullmann, exemplifica estas transições entre a profissão cinematográfica e a vida de Bergman; questionado sobre o que houve de fato nos bastidores de Persona, levando o cineasta a trocar de mulher, Bergman se vê paralisado no depoimento.

A ilha de Bergman é muito um autorretrato espiritual do diretor. Não é o documentário da ilha de Farö, o resgate do santuário fílmico do cineasta. O próprio Bergman fez há anos um documentário maravilhoso sobre o cotidiano de Farö: Minha ilha (1979). A ilha de Bergman foi filmado no ano anterior à morte do realizador e revela a potência da lucidez de um dos cérebros do século XX mesmo à porta do túmulo. (Eron Fagundes)