Como Martin Scorsese e Woody Allen, o diretor negro norte-americano Spike Lee estrutura sua obra cinematográfica em torno da ação que a imponente Nova York exerce sobre sua cabeça (cidadão, indivíduo da cidade). Se Scorsese busca um clima de estranheza na violência das ruas da metrópole americana e Allen ambienta suas narrativas nos refinados diálogos da classe intelectual nova-iorquina, Lee parece mais terra a terra com o povo de sua urbe, o que confere a seus filmes aspectos inusitadamente sensoriais de filmar.
A última noite (25 th hour; 2002) é o mais recente exercício de crítica social do cineasta. Mas está longe da conseqüência de películas como Faça a coisa certa (1989) ou O verão de Sam (1999). Seu rebuscado tom popularesco e fácil demais se aproxima das características desconjuntadas de A hora do show (2000).
Filmando uma Nova York deprimida depois da destruição de um de seus símbolos-base, as torres gêmeas do World Trade Center, em 11 de setembro de 2001, Lee coloca em cena um condenado em sua última festa (noite) antes de se dirigir para a prisão (Edward Norton, correto): suas relações com seu pai, com a namorada porto-riquenha, com os amigos (um reprimido professor de inglês, tentado por sua bela aluna, e um arrivista corretor de bolsa de valores) são vasculhadas linearmente pelo realizador.
O mundo dos traficantes e marginais de Nova York e a sensualidade das noites aparecem insistentemente em A última noite, num esforço de cativar o público de sempre. Todavia, o novo Spike Lee se distancia bastante duma visão acurada da violência ianque, como aquela que podemos desfrutar em Gangues de Nova York (2002), um Scorsese que deverá muito em breve transformar-se num clássico do cinema.