Crítica sobre o filme "Barco das Ilusões, O":

Rubens Ewald Filho
Barco das Ilusões, O Por Rubens Ewald Filho
| Data: 08/12/2018

Bastidores: A peça musical é muito antiga, tendo estreado em dezembro de 1927, com Helen Morgan, Charles Winninger e Edna May Oliver. Mas teve vários “revivals” na Broadway em 32, 46. 66, 84 e 94 (com Rebecca Luker). Numa época, onde a norma era a “opereta”, eles conseguiram superar o gênero, criando um estilo mais próxima da “musical comedy”, abordando temas polêmicos como miscigenação e criando canções inesquecíveis (entre elas, o clássico “Old Man River”). Foi filmada antes em 1929 e em 1936, como Magnólia (Show Boat), dirigida por James Whale, com Irene Dunne, Allan Jones e Helen Morgan, onde se seguia o original contando toda a saga da família. Assim o produtor Arthur Freed, o melhor dos criadores musicais da Metro pediu uma versão mais condensada e que favorecia mais seu elenco. O estúdio não teve coragem de escalar a negra (e bela) Lena Horne para o papel de Julie (ela havia feito antes como teste alguns números do show como parte de um filme biográfico de Kern, Quando as Nuvens Passam, 46). Preferiram a muito branca Ava (devidamente maquiada), mas acabaram dublando-a nas canções por Annette Warren (estranhamente foi a própria voz de Ava, aliás mais do que adequada, que saiu na trilha musical em disco). O casal Marge e Gower Champion eram casados e parceiros na época. Foi indicado aos Oscars de trilha musical adaptada e coreografia.

Crítica: Foi a primeira vez em que eu me lembro de ter chorado num filme. Era criança e recordo basicamente de que era por pena de Ava Gardner (de quem desde então sempre fui apaixonado). O tempo e as reprises confirmaram que eu estava certo. Este é um caso raríssimo de uma versão cinematográfica que é melhor do que o original teatral, simplesmente por saber sintetizar a trama, valorizando o personagem de Julie (na peça ela simplesmente desaparece, aqui tem função enorme no reencontro do casal e a fita ainda se dá ao luxo de concluir com ela). A trilha musical é simplesmente uma das mais belas já compostas para o teatro musicado (e considerando sua idade, muito arrojadas porque todas as canções têm sua função, não interrompem a história como era praxe numa época em que a regra ainda era o teatro-revista). E ainda por cima, com uma consciência social denunciando leis absurdas que proibiam casamentos entre brancos e negros (naquela época ainda em vigor em certos estados), além da música central, “Old Man River” (O Velho Rio), que sintetiza a tragédia do homem trabalhador diante da natureza impassível. O filme também foi particularmente feliz na escolha do elenco, com a dupla de cantores centrais (a reconciliação deles através da menina é especialmente feliz e obra do roteirista), Ava em seu melhor momento de atriz (sua cena alcoolizada no barco é excepcional e o beijo que ela joga suavemente no fim, quando tentaram inutilmente deixá-la feia, é inesquecível!), e todos os coadjuvantes de primeira classe. Outra prova da competência de realizador de George Sidney (Melodia Imortal). Fundamental para a história do cinema musical!