Crítica sobre o filme "Sete Dias com Marilyn":

Rubens Ewald Filho
Sete Dias com Marilyn Por Rubens Ewald Filho
| Data: 26/04/2012

Chega com bastante atraso e depois de já ter sido saboreado por muita gente em versão de download, este último filme importante do Oscar. Para entender a história seria bom que lessem outro artigo meu (nos jornais, eu o estou mandando junto, no blog acho melhor fazer uma ligação para o encontrarem no arquivo). Mas basicamente esta é uma adaptação de dois livros de um inglês que trabalhou como assistente no filme O Príncipe Encantado/The Prince and the Show Girl, de 1957, que era uma produção da própria Marilyn (com o então sócio Milton Greene, que havia sido o sujeito que lhe tirou as fotos peladas, depois desta experiência se separaram) e co-estrelada e dirigida pelo maior ator do mundo na época, o depois Lord Laurence Olivier. Foi um momento complicado de inseguranças, brigas, luta pelo poder que não chegaram a atrapalhar o resultado (o filme hoje raro de se encontrar aqui é bem divertido e algumas cenas chegam a ser reencenadas aqui).

Mas insiste o autor que ele teve, se não um grande romance, uma amizade colorida com Marilyn, simplesmente porque ela a tratava com carinho, paciência e delicadeza. Quem faz o papel é o ruivo e pouco fotogênico, mas bom ator, Eddie Redmayne que tem feito uma bela carreira (ganhou o Tony por Vermelho/Red), esteve em A Outra, Os pilares da Terra, Morte Negra, A Era de Ouro: Elizabeth, O Bom Pastor e o novo Les Misérables.

A grande questão é saber se Michelle Williams conseguiu ou não viver Marilyn de forma convincente. Acho bom explicar antes o truque que o produtor Harvey Weinstein usou. Sabendo muito bem que Michelle era uma boa atriz, mas não tem muito a ver com a original Marilyn, ele procurou fazer com que o público a aceitasse desde o começo. Assim pegou duas canções famosas de filmes de Marilyn, inclusive uma de Quanto Mais Quente Melhor, e as reencenou de outra forma, mudando totalmente a coreografia (como ela morreu em 1962 a maior parte das pessoas lembra de Marilyn de foto e não a viu em movimento, não tem elementos para julgar). Mas vendo Michelle em cena acredita e consome sua interpretação. Que é surpreendente porque Michelle é pequenina, miúda, não tem corpo (nada que não possa ser substituída por uma dublê de corpo na cena de nudez, ou em outros casos por enchimentos no busto e principalmente no traseiro). A diferença de altura não é tão significativa, Michelle tem 1m.63 e Marilyn 1.66.

Enfim, ela não faz uma imitação, ao contrário, foge de algumas características (como deixar sempre a boca aberta porque achava que isso alongava seu rosto) e de trejeitos, por demais imitados por travestis e drag queens. Não carrega nas tintas, mas ajudada por excelente maquiagem consegue passar o mais importante e que é o tema do filme, sua fragilidade, insegurança, mostra como Marilyn era uma criatura perdida e vulnerável. Que não conseguia perceber como era autodestrutiva e se tornava chata, quase insuportável. Acho uma coisa milagrosa e me fez respeitar Michelle como atriz.

O filme em si dá uma visão muito curiosa dos bastidores de uma filmagem, que ocorreram nos estúdios de Pinewood (como eu já gravei lá, e conhecia bem seus recantos, deu para confirmar como o filme soube utilizar seu pequeno jardim, suas dependências). É um trabalho bem competente deste Simon Curtis, um veterano produtor e diretor de séries de TV na Inglaterra, entre elas a famosa Cranford. Mas seu primeiro trabalho diretamente para o cinema.

Ele soube escolher o elenco de nomes de peso (tem até Emily/Hermione, de Harry Potter) e se tornar o melhor filme de ficção já realizado sobre Marilyn.

Para entender melhor Sete Dias com Marilyn

Em meados dos anos 50, Marilyn Monroe queria a provar a todo custo que era uma boa atriz, cursando o Actor´s Studio sob influência de sua coach Paula Strasberg (1911-66), , que era a mulher de Lee Strasberg (1901-82) e mãe da atriz Susan Strasberg (1938-99) , todos ligados e dirigentes do Studio. Também isso deve ter influenciado na escolha de seu novo marido que era o célebre dramaturgo Arthur Miller (1915-2005), judeu, autor de clássicos do teatro como A Morte do Caixeiro Viajante, Panorama Visto da Ponte e de dois textos que faria sobre Marilyn, Os Desajustados (que seria o último filme dela) e After the Fall (peça autobiográfica nunca filmada). Quem o interpreta no filme é o escôcês Dougray Scott de Missão Impossível 2.

No seu testamento final, Marilyn deixou para Strasberg controlo de 75% de tudo que tinha, inclusive controle de sua imagem (como gratidão pela gentileza com que foi tratada. Hoje a viúva dele, Anna Strasberg, que sucedeu Paula Strasberg, ficou rica com milhões de dólares que ganha licenciando a imagem da estrela).

Para demonstrar seu talento, Marilyn fundou com seu amigo de confiança Milton H. Greene 1922-85 (vivido no filme por Dominic Cooper, o rapaz de Mama Mia) uma produtora especialmente para fazer este filme que se chamou no Brasil O Príncipe Encantado (The Prince and the Show Girl, 57 ) para a Warner (um dos raros filmes que não é da Fox, o estúdio de Marilyn). Importante: Greene é justamente o fotógrafo que mais fotos tirou dela, que a conhecida desde o começo da carreira e a produtora deles durou somente este filme. A viúva de Greene depois se casaria com o famoso fotografo Richard Avedon.

Para Marilyn, era uma grande ousadia co-produzir um filme junto com o mais famoso ator de teatro britânico de sua época Lord Laurence Olivier (1907-89), que era também famoso diretor de cinema por suas adaptações de Shakespeare (Hamlet, Henrique IV, Ricardo III). Aqui eles aproveitaram uma comédia que Olivier tinha feito no palco inglês com sua então mulher Vivien Leigh (1913-67, a lendária Scarlett O´Hara de E o Vento Levou. Naquele momento o casamento já era só de aparência e ela mantinha romances paralelos e tinha graves problemas de saúde. O divórcio, porém, só viria em 1961, quando ele se uniu abertamente a outra atriz, Joan Plowright. De qualquer forma, Vivien era ainda sedutora e mais bonita do que aparece no filme Sete Dias com Marilyn onde é vivida pela sem graça Julia Ormond, aquela que tentaram lançar como Sabrina, de Sidney Pollack.

O texto da peça e adaptação para o cinema foram de Terence Rattingan (1911-77), autor da moda na época de quem Vivien tinha feito Profundo Mar Azul (55) e que também escreveu Vidas Separadas, Gente Muito Importante, Nunca te Amei, Cadete Winslow. Judi Dench que faz o papel da grande atriz teatro Dame Sybil Thorndike (1882-1976), que é apresentada com simpatia no filme, mas que fez poucos filmes como Coração Indômito, Nicholas Nickleby do brasileiro Cavalcanti, Pavor nos Bastidores de Hitchcock, De Mãos dadas com o Diabo, A Grande Cartada.

Mas o mais impressionante do elenco é o trabalho de Kenneth Branagh, que foi indicado a todos os prêmios este ano por sua interpretação de Laurence Olivier, em que reflete não apenas em gestos e maneirismos, mas também em defeitos. Na verdade, Kenneth está homenageando seu ídolo, já que sempre foi saudado como herdeiro de Olivier na sua tentativa de recriar Shakespeare no cinema (fez como ele Hamlet e Henrique IV). O problema é que hoje pouca gente se lembra de Olivier e não souberam avaliar com foi bom seu trabalho que nunca cai na caricatura.

Em Sete Dias com Marilyn foi feito uma fiel revival dos bastidores da filmagem, inclusive rodando também nos estúdios da Pinewood. Como eu já gravei no lugar consegui reconhecer os ambientes e lugares, inclusive exteriores.

Fui procurar o que escrevi nos guias sobre O Príncipe Encantado:

Marilyn é uma boa comediante que funciona no papel da corista. Ela perdeu alguns de seus piores maneirismos, por exemplo falar sempre sussurrando... Ou deixar sempre a boca aberta, porque lhe disseram que assim fotografava melhor. Isso lhe abriu o caminho para depois estrelar sua obra prima Quanto Mais Quente Melhor. Bem produzido, sempre teatral e agradável, não chega a ser um clássico, mas é uma boa diversão.

No filme, a atriz Michelle Williams teve que recorrer a recursos de maquiagem usando enchimentos pelo corpo todo (tanto no busto, quanto no traseiro e inclusive usou uma dublê de corpo para uma cena de nudez). O filme original foi fotografado pelo grande Jack Cardiff (Karl Moffat o interpreta aqui) e Michelle reproduz apenas uma única sequência, assim mesmo estilizada, que a mais bonitinha, quando ela está sozinha na sala e ensaia alguns passos.

Também na edição final do filme, o produtor Weinstein achou que era preciso e fechar com imagens de Marilyn cantando. A grande sacada foi recriar duas sequências com Michelle cantando (aparentemente com sua própria voz) músicas de O Mundo da Fantasia e outro filme, mas sem reproduzir exatamente a cena, fizeram algo totalmente diferente, até mesmo na voz. Que nunca é sequer imitada. Como se fosse uma nova Marilyn. Como ninguém tem memória, isso acaba ajudando a tornar o trabalho de Michelle convincente.

São reais os problemas de Marilyn durante a filmagem, que flutuava de peso (tinha retenção de água) e realmente teve um aborto natural durante esse período. Laurence Olivier já estava contratado quando Marilyn entrou no projeto e por isso que não abandonou o filme. Foi o único filme que Marilyn fez fora da América (na Inglaterra, claro) e era para ser um musical (mas Arthur Miller insistiu para que cortassem as canções). De qualquer forma, traumatizado Olivier levaria anos para retornar a direção e assim mesmo em projeto pequeno (Three Sisters, 70).