17
de maio de 2004
De
onde vem a morbidez que emana, meio subterraneamente, das imagens
de Elefante (Elephant; 2003)? Toda a narrativa do filme (à exceção
do final) se debruça sobre o cotidiano, geralmente o cotidiano
escolar, de alguns alunos dum colégio norte-americano
de interior; não há nenhuma cena que justifique
este incômodo sentimento de estranheza e dor que o espectador
capta aqui e ali, tem-se às vezes a impressão de
que as coisas não avançam, de que nada ocorre do
ponto de vista dramático, assim como naqueles clássicos
do italiano Michelangelo Antonioni. De onde vem, pois, esta coisa
indefinivelmente incômoda que nos assalta desde o início
em cada fotograma? Quem conhece o estilo de filmar do realizador
Gus Van Sant sabe de onde vem isto. Em Elefante Van Sant atinge
talvez seu ponto cinematográfico mais impressionante.
Depois das indecisões comerciais e artísticas de
Encontrando Forrester (2000), com um Sean Connery em estado de
graça, o cineasta abre inteiramente sua estética
em Elefante.
A
atmosfera doentia e perversa de Elefante vem da peculiar utilização
da imagem, um jeito de enquadrar o cenário, uma coloração
especial da fotografia, aqui o excesso de luz esbranquiça
uma passagem de cena sem cortes, ali um tom visual mais forte
parece agredir a visão, uma montagem de ruídos
e silêncios inquietante. A câmara de Van Sant está sempre
em movimento em Elefante e isto pode tornar enervante seus planos-seqüência
tão próximos do vazio formal, um vazio formal menos
barulhento e mais secreto que aquele de Quentin Tarantino em
Kill Bill, volume 1 (2003). Como em O
anjo exterminador (1962),
de Luis Buñuel, e em Elisa, vida minha (1977), de Carlos
Saura, Van Sant recoloca na montagem, em situações
e angulações diferentes, cenas já vistas
em momento narrativo anterior; é um hábil jogo
do tempo cinematográfico que confere a Elefante acréscimos
de beleza e inteligência fílmicas.
Extremamente
curto para os padrões dos filmes de hoje
(oitenta e um minutos) e contando com um fecho abrupto de que
as narrativas atuais, muito abotoadas, dasabituaram o observador,
Elefante é um dos poucos destaques cinematográficos
que apareceram em Porto Alegre neste primeiro semestre de 2004.
Por Eron Fagundes
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