A NOTA E O FOTOGRAMA

28 de janeiro de 2004

Foi melhor do que a encomenda. A gente tinha ficado aborrecido com a injustiça do ano passado quando deixaram Cidade de Deus de lado como filme estrangeiro. E não se esperava tanto, quatro indicações (direção, roteiro adaptado, montagem e fotografia, que é de César Charlone, que por acaso foi meu aluno na Escola de Cinema) é um fato inédito, bem-vindo e super-importante. Faz acabar de vez com o mito de que o cinema brasileiro não tem técnica (hoje estamos igual aos melhores do mundo), dá um chute no nosso complexo de vira-lata.

Como diretor não temos chance, até porque Fernando Meirelles ficou de fora da lista do Sindicato dos Diretores (e isso é sintomático), mas é preciso pensar que a distribuidora Miramax fez um trabalho de promoção tão bom e eficiente que acabaram derrubando o próprio filme grande deles, que é Cold Mountain (que ficou fora de melhor filme, direção e, surpreendentemente, atriz para Nicole Kidman, uma injustiça na verdade).

Todo mundo se lembra da história da Miramax que contamos em Cannes, quando ela fez o mea culpa admitindo que tinha errado em não ter estreado antes Cidade de Deus, deixando o filme só para abrir em janeiro de 2003. Pediu para não editarem o filme em DVD nos outros países, porque iria fazer uma campanha grande no fim do ano. Dito e feito. Teve anúncios por toda parte, o filme ficou passando em salinhas, ganhou como filme estrangeiro do mais importante prêmio da crítica dos EUA, os críticos de Nova York.

E agora teve este desempenho surpreendente. Tem alguma chance? Muito pouca, talvez em montagem alguma, possivelmente em fotografia. Mas as indicações são realmente mais do que o suficiente (foi uma pena, porém, que Ônibus 153 tivesse ficado de fora, como documentário).

Até porque Fernando Meirelles já embarcou numa carreira internacional (lhe desejamos boa sorte, não é fácil enfrentar as feras lá fora, veja o nosso Hector Babenco, que foi indicado por O Beijo da Mulher Aranha e depois teve grandes problemas com as produções americanas).

Não esqueçamos também que Cidade de Deus é uma produção da Globo e também de Waltinho Salles (Cidade de Deus, mal comparando, seria o Almodóvar deste ano).

No resto das indicações não teve grandes surpresas, fora a esnobada para Cold Mountain (que teve duas canções indicadas, mas ouvi o disco ontem e ele é muito esquisito, é grass roots, country pesado e as canções me pareceram, à primeira audição, horríveis).

Mas não foi tanta injustiça, porque o filme não deu certo mesmo. Os outros erros são mais óbvios: insistem em promover Sobre Meninos e Lobos como se fosse uma grande fita, quando no máximo é de regular para bom. Colocam Clint Eastwood como grande diretor, quando ele é desleixado e irregular. Sean Penn está muito melhor em 21 Gramas do que nesse filme (ao menos se lembraram de Naomi Watts e Benicio Del Toro, que estão ótimos). Tim Robbins está muito ruim, assim como Marcia Gay Harden (exagerada e caricata). Ou seja, é loucura coletiva mesmo. Como é exagero ficar louvando Encontros e Desencontros, da pavorosa e mal-vestida Coppola (a fita é, no máximo, um conto saboroso, que sabe aproveitar a estranheza provocada pelo Japão ao visitante ocidental). Não comentei que, em Nova York, consegui ver ainda o documentário My Architect: A Son´s Journey, de Nathaniel Kahn, que acabou ficando na lista dos finalistas.

É uma visão bem pessoal, de um filho bastardo que procura entender a vida e a obra de seu pai que foi um famoso arquiteto judeu-americano, Louis Kahn. Não curti especialmente a obra dele, mas o filme feito digitalmente, de maneira modesta, funciona bastante (e comprova mais uma vez o alto nível atual dos documentários).

Vamos ver o que mais vale comentar: que felizmente não indicaram Tom Cruise (que de O Último Samurai em diante é mesmo um canastrão), que lembraram do ótimo africano Djimon Honsou (In America) e da iraniana Shoreh Aghdashloo (que faz a mulher de Ben Kingsley em House of Sand and Fog, não curto seu estilo dramático mas, sem dúvida, tem um personagem marcante). Mas por que esqueceram de Jennifer Connelly, que está melhor nesse filme do que no que lhe deu o Oscar. Na categoria de ator principal é onde parece ter menos erros.

Também no filme de animação, incluindo Les Triplets de Belleville, desenho belga que eu vi em Cannes e achei muito legal, diferente. Mas não carecia indicar a menina de A Encantadora de Baleias que não é nada demais, seria um prêmio jogado fora.

Não sei dizer se o problema com os screeners, as fitas para os votantes, fez alguma diferença, porque há várias indicações técnicas para filmes independentes.

O filme estrangeiro continua a ser um problema, com sua técnica de dividir os votantes em grupos (este ano foram três porque houve número recorde de inscritos), o que fez com que, este ano, quatro dos cinco indicados sejam quase inteiramente desconhecidos (deixando Osama e o russo The Return fora de competição). Não dá, porém, para dizer neste momento se foi injusto.

O que sempre me espanta é que, dos cinco indicados ao Oscar de Melhor Filme, só consigo mesmo defender e admirar de peito aberto O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei. Aos outros quatro faço grandes restrições. E, a rigor, nem mereciam tanta honraria.

Mas é uma primeira impressão. Muita água ainda vai rolar até o dia 29 de fevereiro. De qualquer forma, para mim que vou fazer a transmissão, certamente a emoção, o interesse e o Ibope aumentaram. Quem sabe eu tenho finalmente a chance, depois de vinte anos, de gritar um gol. E o Brasil levar um Oscar! Ah, um último detalhe, que tinha nos escapado: tem outro brasileiro no Oscar - é o diretor Carlos Saldanha, que fez o curta metragem Gone Nutty, indicado como curta de animação, com o mesmo personagem do Era do Gelo, o Scrat.

Por Rubens Ewald Filho

(Veja aqui a lista completa dos indicados)