De
onde vem a morbidez que emana, meio subterraneamente,
das imagens de Elefante (Elephant;
2003)? Toda a narrativa do filme (à exceção
do final) se debruça sobre o cotidiano, geralmente
o cotidiano escolar, de alguns alunos dum colégio
norte-americano de interior; não há nenhuma
cena que justifique este incômodo sentimento
de estranheza e dor que o espectador capta aqui e
ali, tem-se às vezes a impressão de
que as coisas não avançam, de que nada
ocorre do ponto de vista dramático, assim
como naqueles clássicos do italiano Michelangelo
Antonioni. De onde vem, pois, esta coisa indefinivelmente
incômoda que nos assalta desde o início
em cada fotograma? Quem conhece o estilo de filmar
do realizador Gus Van Sant sabe de onde vem isto.
Em Elefante Van Sant atinge talvez
seu ponto cinematográfico mais impressionante.
Depois das indecisões comerciais e artísticas
de Encontrando Forrester (2000),
com um Sean Connery em estado de graça, o
cineasta abre inteiramente sua estética em Elefante.
A
atmosfera doentia e perversa de Elefante vem
da peculiar utilização da imagem, um
jeito de enquadrar o cenário, uma coloração
especial da fotografia, aqui o excesso de luz esbranquiça
uma passagem de cena sem cortes, ali um tom visual
mais forte parece agredir a visão, uma montagem
de ruídos e silêncios inquietante. A
câmara de Van Sant está sempre em movimento
em Elefante e isto pode tornar enervante
seus planos-seqüência tão próximos
do vazio formal, um vazio formal menos barulhento
e mais secreto que aquele de Quentin Tarantino em Kill
Bill, volume 1 (2003). Como em O
anjo exterminador (1962), de Luis Buñuel,
e em Elisa, vida minha (1977), de
Carlos Saura, Van Sant recoloca na montagem, em situações
e angulações diferentes, cenas já vistas
em momento narrativo anterior; é um hábil
jogo do tempo cinematográfico que confere
a Elefante acréscimos de beleza e inteligência
fílmicas.
Extremamente
curto para os padrões dos filmes de hoje (oitenta
e um minutos) e contando com um fecho abrupto de
que as narrativas atuais, muito abotoadas, dasabituaram
o observador, Elefante é um
dos poucos destaques cinematográficos que
apareceram em Porto Alegre neste primeiro semestre
de 2004.
(Eron Fagundes. Leia mais críticas do colunista em Cinemania)
Irrita
muito essa moda de colocarem títulos nos filmes,
que não são explicados nem nos letreiros,
nem no contexto. Se não fosse assinado por
Gus Van Sant (My Own Private Idaho, Gênio
Indomável, Psicose - a refilmagem, Drugstore
Cowboy) este filme seria pichado em praça
pública e jamais aceito num festival.
Mas
esta produção original da HBO acabou
misteriosamente ganhando a Palma de Ouro do Festival
de Cannes, justamente no ano em que concorriam Invasões
Bárbaras, e mesmo Sobre Meninos
e Lobos. O filme mesmo premiado chegou a
estrear nos EUA em outubro de 2003 e não passou
de um milhão e trezentos mil de renda.
A
injustiça do prêmio fica ainda mais
flagrante agora que já passou o choque dos
atentados juvenis em escolas americanas e já vimos Tiros
em Columbine.
Não
consigo levar a sério Gus Van Sant, para mim
um vigarista tão grande quanto David Lynch
e com muito menos talento. Ou seja, um enganador.
Seu filme tem longas caminhadas e o anterior, Gerry é apenas
isso, uma longa caminhada pelo deserto sem explicações
(poderiam ser para lembrar um vídeogame mas,
na verdade, deve ter sido para esticar a metragem)
ao contar, por pontos de vistas diferentes, pessoas
que se cruzam, quando dois alunos de uma high school
de Portland, resolvem comprar armas e matar os colegas. É um
tema previsível e por demais explorado (e
muito melhor tratado até no telefilme Bang
Bang, Você Morreu, que saiu em DVD).
Também importante demais para ser
tratado assim com leviandade. Van Sant, que é gay
assumido, chega ao cúmulo de insinuar que
os dois matadores são influenciados pelo nazismo
e transam no chuveiro antes de irem matar (porque
são virgens!). Seria muito forte se fosse
o oposto, pessoas comuns que chegam ao crime. O filme
vai apresentando os personagens se cruzando, a partir
de um dos garotos (todos são amadores, improvisaram
suas cenas e usam seus nomes reais), que tem problemas
com o pai alcoólatra (o único conhecido
do elenco, Timothy Bottoms, de A Última
Sessão de Cinema, que é sósia
do presidente Bush e deve ter sido escolhido por
isso). São tipos comuns (uma garota que tem
medo de tirar a roupa na ginástica, outro
que tem o hobby de fotografar, um casal de namoradas,
três adolescentes sem nada na cabeça,
etc e tal). Mas tudo é muito mal narrado,
cheio de furos (não há segurança
na escola, não chega a polícia, em
vez de fugir pela janela vão se esconder na
geladeira, e assim por diante) e com mínimo
de impacto (mal se vê a morte de alguns dos
protagonistas).
Acho
o filme estúpido da maneira que brinca com
assuntos importantes. Diane Keaton assina como produtora.
Ah, chama-se Elefante em homenagem
a uma série de tevê inglesa do mesmo
nome (BBC, 1989) de Alan Clarke, sobre a violência
na Irlanda do Norte. O titulo se inspira na frase,
Tão fácil como ignorar um elefante
que está na nossa sala de jantar. A Palma
de Ouro para ele só demonstra como o Festival
de Cannes perdeu seu rumo nos últimos anos.
(Rubens Ewald Filho. Leia mais críticas
e artigos de REF na coluna Clássicos)
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