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Cristo Parou em Eboli adota uma estetica de filmar que em momento algum decai de seu rigor

17/04/2023 14:14 Por Eron Duarte Fagundes
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Era um dos momentos mais bem sucedidos do cinema do italiano Francesco Rosi. Cristo parou em Eboli (Cristo si è fermato a Eboli; 1979) não chegou a ser exibido comercialmente nos cinemas brasileiros; realizado pouco depois de Cadáveres ilustres (1976) e antes de Três irmãos (1981), Cristo parou em Eboli diferia destes filmes acidamente políticos e urbanos de Rosi porque se prendia àquelas características mais ásperas de filmar exercitadas em O bandido Giuliano (1961): filmagens nos próprios locais em que se dá a história original e uma natureza formal próxima do povo mais simples do país. Herança constante do neorrealismo italiano: ainda que não abdique da presença de intérpretes-estrelas, como Gian Maria Volonté, Lea Massari e Irene Papas. Talvez as dificuldades de distribuição por aqui do filme de Rosi tenham sua explicação numa exasperante lentidão em que os detalhes e gestos cênicos são acompanhados com o vagar de um documentário, os enquadramentos e os cortes adotam um ritmo que remete, em parte, ao cinema intelectual europeu da década anterior, os anos 60.

Ambientado (e rodado) em Aliano, na região italiana da Lucânia, Cristo parou em Eboli parte dum livro homônimo autobiográfico do escritor Carlo Levi. O filme abre com longos movimentos de câmara (travellings) da chegada de Levi ao lugarejo, primeiro a bordo dum trem, depois em velhos carros pelas desoladas e vazias estradas que o levarão ao local a que se destina. Era a época do fascismo, os tempos de Benito Mussolini. Levi era um dos muitos indivíduos considerados perigosos pelo regime e condenado a um confinamento político dos centros urbanos, uma espécie de Sibéria peninsular. Habitante de Turim, frequentador de círculos de intelectuais, Levi vai deparar com cenários longínquos e rudes e pessoas cujo modo de vida (um deles, essencial, a religiosidade primitiva) é integralmente estranho ao confinado viajante; observador, Levi (a personagem, o escritor no texto de origem) fornece ao filme de Rosi elementos para edificar uma crônica aguda dos anos do fascismo lá nas distantes colônias.

A primeira imagem na verdade é um grande primeiro plano da face do ator Gian Maria Volonté, um dos marcos da história do cinema. O texto de Levi percorre as imagens. Dos primeiros travellings junto do trem ao último extraordinário movimento lateral de câmara pela paisagem rural da cidadezinha, Cristo parou em Eboli adota uma estética de filmar que em momento algum decai de seu rigor. A visita da esposa de Levi, Luisa, durante o confinamento (ela depois volta para Turim) e as relações esquisitas e um pouco cômicas com a faxineira contratada por Levi fazem um contraponto com as tergiversações com os campônios em geral ao longo do filme; neste aspecto, duas notáveis atrizes, Lea Massari e Irene Papas respectivamente como a esposa e a empregada, contracenam notavelmente com Volonté. O ator suíço François Simon (visto em Charles vivo ou morto, 1970, de Alain Tanner) como o sacerdote atrapalhado e bêbado é outro dado que não se pode esquecer ao referir o elenco.

Acabada a guerra, sepultado o fascismo (ao menos em sua forma radical), Levi volta para a cidade. Antes disto, os tempos conduziram Levi a um tipo de conhecimento que não lhe era dado, ao menos empiricamente. E este conhecimento gerou antes um livro e depois um dos mais importantes filmes. Capazes de registrar aquele lugar remoto aonde nem Cristo foi, isto é, onde o diabo perdeu as botas: mas onde há seres humanos que podem expor uma riqueza que cabe a Levi e a Rosi descobrir.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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