As Revoluções Antecipadas de Whitman
Walt Whitman é uma grande respiração verbal que preenche todos os poros do leitor
O que impressiona quem lê os poemas de Folhas de relva (1855), a coletânea de versos definitivos do norte-americano Walt Whitman, é que tais delírios formais e temáticos tenham sido escritos por um homem que vivia bem no meio do século XIX. Num tempo de versejadores anêmicos e edulcorados por uma idealização burguesa da sociedade, Whitman antecipou o verso livre, a poesia pensada e uma abordagem metafísica mas transparente do cotidiano que só seriam bem depurados e digeridos a partir dos modernistas do século XX; se o leitor pensar na literatura que então se fazia (ainda a melhor, mesmo pensando num poeta tão grande quanto o francês Charles Baudelaire), vai sentir um choque com a contemporaneidade novecentista de Whitman, que desfaz todas as regras do gosto clássico ou parnasiano; se o leitor se debruçar sobre o que havia então na literatura brasileira (nos anos 50 do século XIX nosso escritor mais festejado era o romancista cearense José de Alencar), vai concluir que Whitman não poderia ser daquele mundo. E a pau e corda Whitman pode ser imaginado como um ser deste mundo de triviais bobagens que deparamos todos os dias. É o poeta por excelência, talvez um cume da poesia, parente do francês Arthur Rimbaud em seu mau comportamento e superior aos gênios do inglês Shakespeare ou do francês Baudelaire.
Whitman é uma grande respiração verbal que preenche todos os poros do leitor. Não admira que ele tenha sido incompreendido em sua época. Era avançado demais para a literatura que então se cultivava, literatura de beletristas artificiais, de harmonias artificiais. Whitman foi até acusado de verboso e pedante. Seus versos muitas vezes não deixam de denotar estas origens verbosas, grandiloquentes; mas tudo adquire o rumo de pensamento duma pena superior. “Sorri, ó voluptuosa terra de hálito fresco!” “Ó hímen! Ó himeneu! Por que me tantalizas assim?” “Fora com o romance antigo!//Fora com as novelas, as tramas e as peças teatrais de cortes estrangeiros,//Fora com os versos de amor adocicados pela rima, as intrigas, os amores dos diletantes,//Adequados somente para os banquetes noturnos em que dançarinos// deslizam ao som de música tarde demais.” Whitman tem, como ele mesmo sabe, “o divino poder de dizer as palavras”. E um poema parassimbolista como Desentranhado das entranhas é um ápice e um êxtase. “Somente quando desentranhado da mais extraordinária mulher da//Terra, surgirá o mais extraordinário homem da Terra”.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br