Duccio, a Linguiça e a Motosserra

Em uma homenagem ao cubano Tomás Milián, falecido recentemente, O Homem Sem Memória, foi vendido como filme de chantagem na época de seu lançamento

27/03/2017 23:54 Por Bianca Zasso
Duccio, a Linguiça e a Motosserra

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No dia 22 de março o cinema perdeu um dos atores mais injustiçados de sua história. O cubano Tomás Milián faleceu aos 84 anos, mas está imortalizado em dezenas de filmes, incluindo alguns dos mais importantes exemplares do subgênero western spaghetti. A passagem de Milián faz lembrar um diretor sem medo da ousadia e que imprimiu seu estilo na telona na mesma proporção do eterno Cuchillo. Duccio Tessari é conhecido pelos mais leigos no cinema de gênero italiano como o responsável por Uma pistola para Ringo, de longe o filme mais lembrado da carreira do ator Giulianno Gemma. Só que nem só de balas que assobiam e duelos viveu Duccio. Um dos mais criativos suspenses da década de 70 saiu de sua mente incansável para cenas impactantes.

O homem sem memória (L'uomo senza memoria) foi vendido como filme de chantagem na época de seu lançamento. Porém, há muito mais que simples ameaças na trama assinada por Tessari e seu parceiro Ernesto Gastaldi. Logo de início, não a preocupação em sintonizar o espectador com os segredos da história. Somos apresentados ao protagonista Ted durante sua estadia em uma clínica psiquiátrica de Londres. Sim, como bom italiano, Tessari ambientava seus suspenses longe da terra da pizza, pelo menos até onde o orçamento permitia.

Voltando a Ted, descobre-se por meio de diálogos que ele perdeu a memória após um acidente de carro e está tentando recuperar seu passado. É o ponto de partida para que ocorra o primeiro assassinato de O homem sem memória e Ted embarque para Milão para encontrar aquela que seria sua esposa, Sara. Sinopse à parte, o filme de Tessari não é nenhum quebra-cabeças complexo (apesar de ter sido lançado no mercado espanhol com o título de Rompe Cabezas) e o que torna-o divertido são as sacadas cênicas.

Os enquadramentos lembram cenas icônicas dos gialli, os filmes com assassinos de luvas pretas que tornaram a Itália um dos países mais importantes para os fãs do cinema de horror. Apesar de se propor a falar de tráfico de drogas e dívidas entre bandidos, O homem sem memória conquista mesmo quando se deixa levar pelo vermelho vivo do sangue falso. Quando o vilão da história é revelado, sua arma é uma navalha.

Lembram do chimpanzé que retalha Daria Nicolodi em Phenomena, de Dario Argento? Qualquer semelhança não é mera coincidência. Tessari deixou de lado as reviravoltas mirabolantes para focar no insólito visual, com direito a uma motosserra que surge em cena como mero detalhe e torna-se a “heroína” da história, salvando a vida de Sara e Ted. E ainda tem uma linguiça tão indigesta quanto as encontradas em alguns frigoríficos do nosso Brasil.

O homem sem memória consegue um feito que vai além da diversão. Durante sua uma hora e meia, torcemos por Ted, mesmo quando descobrimos que seus objetivos antes de esquecer o passado não eram nada simpáticos. O anti-herói supremo, que alcança a redenção no escuro, tentando entender porque está sendo perseguido por homens perigosos que lhe cobram uma atitude sobre o milhão de dólares que ele sequer saber de onde provém. Tomás Milián não está no elenco de O homem sem memória mas, assim como o trabalho de Tessari, também nos fez torcer por seus malvados sedentos pelo ouro do oeste. Torcer pelo antagonista do mocinho não é pecado. Afinal, há mais de nós nestes personagens do que podemos imaginar.

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Sobre o Colunista:

Bianca Zasso

Bianca Zasso

Bianca Zasso é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Durante cinco anos foi figura ativa do projeto Cineclube Unifra. Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Ama cinema desde que se entende por gente, mas foi a partir do final de 2008 que transformou essa paixão em tema de suas pesquisas. Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands. Como crítica de cinema seu trabalho se expande sobre boa parte da Sétima Arte.

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