Yesterday
O filme nos lembra ao final de que tudo de que precisamos mesmo eh de amor. Para isso basta fazer como nos ensinou John Lennon, imagine e o mundo poder? ser melhor. Apenas imagine
O cinema vez ou outra surpreende com premissas tão absurdas quanto criativas. Apagar o amor da memória como em “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças” (2004) ou entrar na mente de um ator famoso em “Quero Ser John Malkovich” (1999) são exemplos da inventividade de roteiristas dispostos a criar um algo mais, inesperado, fantasioso, mas que permita repensar o mundo real. É essa a linha do roteiro de Richard Curtis (Quatro Casamentos & um Funeral, Uma Questão de Tempo), adaptando a história de Jack Barth em “Yesterday”, título de uma das mais belas canções românticas de todos os tempos, do riquíssimo repertório dos Beatles.
O filme explora o tema da realidade alternativa ao mostrar o anônimo músico Jack Malik (Himesh Patel), que após sofrer um acidente, durante um apagão mundial, acorda no hospital onde descobre que ninguém no mundo lembra quem foram os Beatles, ninguém a não ser o próprio Jack. Sua ideia é mostrar as célebres canções do “Fab Four” como se fossem suas, o que vem a fazer de Jack um fenômeno em mundo que também não conhece o cigarro, a Coca Cola e Harry Potter. Em dado momento em cena Jack diz a Ellie (Lily James) que se sente como Harry Potter, ao que ela responde dizendo não saber de quem ele está falando. A todo momento o choque entre a realidade alternativa e o mundo que Jack lembra desperta humor. O sucesso de Jack o leva a se encontrar com o cantor Ed Sheeran, que interpreta a si próprio. Sua aparição foi a princípio pensada para Chris Martin, vocalista da banda Cold Play, o que gera também a piada em que os amigos de Jack dizem que a canção que dá título ao filme não é tão boa quanto Cold Play. De acordo com o diretor Danny Boyle (Quem quer ser um milionário) 20 canções dos Beatles foram adquiridas, mas 16 acabaram sendo usadas como “I wanna hold your hand”, “Hey Jude”, “Help”, “In my Life”, “Ob-la-di Ob-la-da” e “Let it be” entre outras recriadas pelo próprio Hamish Patel faz seu vocal, piano e violão.
O diretor britânico Danny Boyle, de 63 anos, esteve até recentemente ligado ao vindouro novo filme de James Bond, mas acabou sendo desligado do projeto por diferenças criativas. Boyle entrega uma comédia romântica despretensiosa revisitando várias passagens da carreira da lendária banda, como no momento em que Debra (Kate McKinnon) chama Jack de “o Messias”, lembrando da entrevista que John Lennon dera no auge da banda dizendo que eles eram mais populares do que Jesus Cristo. O filme ainda encontra espaço para licença poética ao mostrar John Lennon (Robert Carlyle, de “Once Upon a Time”) vivo, levando uma vida normal, aos 78 anos.
A homenagem vai ainda além usando títulos de canções em nomes de personagens como “Rocky” (Joel Fry) aludindo a “Rocky Raccoon”, Lucy (Ellise Chappell) a “Lucy in the Sky with Diamonds” ou mesmo Ellie (Lily James) apelido de Eleanor da clássica “Eleanor Rigby”, que acaba sendo uma das canções que Jack tem dificuldade de lembrar. O filme de Boyle teve estreia mundial em maio no Festival de Cinema de Tribeca em Nova York já tendo arrecadado US$72.402.160 milhões desde então, segundo dados do site “box office mojo”, com orçamento de US$26 milhões. O famigerado Rotten Tomatoes deu 63% de aprovação enquanto o Metacritic deu nota 55, resultados medianos, mas que não necessariamente invalidam a experiência de ver o filme, de encontrar a adorável Lily James dividindo os vocais de “I wanna hold your hand” com Hamish Patel, ou de embarcar em uma brincadeira que nos leva a Liverpool, a Penny Lane, Abbey Road ou ao túmulo de Eleanor Rigby. Quando no nosso mundo tudo parece tão descartável, nossa própria memória afetiva parece depender do click no google para nos lembrar da riqueza cultural de que dispomos. Nesse sentido, “Yesterday” nos lembra disso ao fazer da fantasia de Jack a jornada de um herói pelo mundo da fama e da fortuna, das ambições associadas ao gênio criativo. Sobretudo, nos lembra ao final de que tudo de que precisamos mesmo é de amor. Para isso basta fazer como nos ensinou John Lennon, “imagine e o mundo poderá ser melhor”. Apenas imagine.
Sobre o Colunista:
Adilson de Carvalho Santos
Adilson de Carvalho Santos e' professor de Portugues, Literatura e Ingles formado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pela UNIGRANRIO. Foi assistente e colaborador do maravilhoso critico Rubens Ewald Filho durante 8 anos. Tambem foi um dos autores da revista "Conhecimento Pratico Literatura" da Editora Escala de 2013 a 2017 assinando materias sobre adaptacoes de livros para o cinema e biografias de autores. Colaborou com o jornal "A Tribuna ES". E mail de contato: adilsoncinema@hotmail.com