Mesmo antes que “Esquadrão Suicida” (2016) fosse lançado, A personagem Arlequina já era extremamente popular. Tendo sido criada para o desenho da tv “Batman – The Animated Series” (1992-98) como namorada e comparsa do Coringa, a personagem migrou para os quadrinhos na premiada HQ “Louco Amor” (Mad Love), publicada em 1994. Desde então a monstrinha do papai (Daddy’s little monster) estampou camisetas, bottoms, capas de caderno e encontrou em Margot Robbie sua perfeita representação em carne e osso.

 A imagem icônica da personagem na cultura pop se sobressaiu no filme de David Ayer, apesar de seu resultado abaixo do esperado e que atrapalhou muito os planos para o universo compartilhado da DC comics. Embora houvesse uma sexualização exagerada e um tom abusivo em sua relação com o Coringa de Jared Leto, a insanidade despretensiosa de Arle (como carinhosa chamada por fãs) colaborou para suavizar o tom desnecessariamente sombrio dos filmes da DC. Foi a própria Margot Robbie quem convenceu a DC Comics a realizar o projeto que se tornou “Aves de Rapina: Arlequina & Sua Emancipação Fantabulosa”. Assim, além de estrelar, a atriz produz o filme e garantiu que este tivesse uma diretora (Cathy Yan) e uma roteirista (Christina Hodson) transformando o 8º filme no chamado Universo Extendido da DC, rival da super bem sucedida Marvel, puro “girl power”. Cathy Yan é a segunda mulher na cadeira de diretor de uma produção desse porte (Patty Jenkins a precedeu), e a primeira asiática a alcançar tal honraria. Já Christina Holden escreveu o roteiro de “Bumblebee” (2018) e assumiu os vindouros filmes “The Flash” e “Batgirl” previstos para o futuro próximo.

A história do filme de Yan coloca Arlequina independente e separada do Coringa (já sugerido por seu exagerado subtítulo) assumindo a liderança de um grupo de formidáveis mulheres para proteger a jovem Cassandra Cain (Ella Jay Basco) cuja cabeça está a prêmio. Protegê-la a coloca em rota de colisão com o assassino Victor Zsaz (Chris Messina) e o mafioso Roman Sionis (Ewan McGregor), que nos quadrinhos recebeu a alcunha de Máscara Negra. Claro, que logo a boa ação de Arlequina revela um perigo maior para Gothan City, e o destino colabora para reunir suas aliadas Dinah Lance / Canário Negro (Jurnee Smollett-Bell), Helena Bertinelli / Caçadora (Mary Elizabeth Winstead) e a policial Renee Montoya (Rosie Perez). Para quem acompanha as hqs ficou a pergunta “Cadê Barbara Gordon, a Batgirl ?”, que liderou a equipe desde que a equipe feminina surgiu em 1995, criada por Chuck Dixon para uma edição especial que logo tornou-se uma revista mensal, habitando a mesma cidade que Batman, mas com histórias criativas misturando ação e humor. Batgirl, apesar de querida pelos leitores de HQs não tem a popularidade de Arlequina. Além do mais, há um filme solo da heroína sendo desenvolvido, o que fez a aparição de Kristen Stewart (*inicialmente cotada) como Batgirl no filme ser deixado de lado. Afinal de contas, não será a primeira vez nem a última que uma adaptação vinda dos quadrinhos chega às telas com significativas diferenças em relação ao material original.

O título da Dc Comics aumentou ainda mais sua tiragem quando em 2003 a autora Gail Simone assumiu os roteiros, dividindo o espaço com o desenhista brasileiro Ed Benes. O time Simone / Benes estabeleceu a formação clássica da equipe com o trio superpoderoso Batgirl, Canário Negro e Caçadora, depois acrescidas de Lady Falcão Negro, Katana e Hera Venenosa, apresentando uma relativa rotatividade das integrantes. Além das hqs mencionadas, o roteiro do filme ainda bebe do material de Brenden Fletcher & Annie Wu (Canário Negro) e Greg Rucka & Rick Burchett (Caçadora), para construir sua narrativa que se desenrola em 24 horas. Curiosamente, quando se pensou em um filme só com heroínas e vilãs, chegou a ser anunciado pela Warner o projeto que se chamaria “Gotham City Sirens”, algo como “Sereias de Gotham”, que reuniria Hera Venenosa, Mulher Gato e Arlequina, também vindas de uma série em quadrinhos. Claro que o peso maior do título “Aves de Rapina” pesou na decisão do estúdio, que investiu 80 milhões de dólares no filme. Curioso que a equipe já teve passagem mal-sucedida pela Tv, quando uma série de Tv homônima aproveitou o auge de vendas das hqs. A série, estrelada por Dina Meyer (Batgirl), Ashley Scott (Caçadora) e Rachel Skkarsten (Canário negro), durou apenas 11 episódios de 2002 a 2003 e foi batizada no Brasil de “Mulher Gato”. Mais curioso é o fato de que na série a Arlequina foi interpretada por Mia Sara, a atriz que foi a namorada de Ferris Bueller no clássico “Curtindo a Vida Adoidado”.

 Enfim, o filme tem tudo para fazer o que o recente reboot de “As Panteras” não conseguiu. Mostrar um time coeso de mulheres com personalidade atraentes, humor e ação, sem cair nos clichês habituais do gênero. Com o número crescente de produções focadas em papeis femininos consistentes, não resta dúvida que a tal emancipação será mesmo fantabulosa.