Incrível como os anos 80 ainda causam uma onda de nostalgia, levando filmes e séries a mergulhar na era em que usávamos ombreiras e pochete, jogávamos Atari e acompanhávamos séries apenas pela TV. Quando “Cobra Kai” foi lançada em 2018, pelo YouTube Premium, que acabou não se firmando diante de gigantes do streaming, Ralph Machio e William Zabka estavam afastados das grandes produções. Pensada inicialmente como um filme, e depois de duas temporadas, a série conquistou seu lugar atraindo não apenas os saudosistas, mas também uma nova geração que não imaginava que era possível aprender karatê pintando a cerca ou lixando o assoalho.

 Adquirida pela Netflix, a segunda temporada deixou todos com grande expectativa com o rumo da história. Kreese tirou tudo de Johnny Lawrence, o Miyagi-Do foi desmoralizado depois da briga na escola, e Miguel Diaz estava em coma. O gancho deixou a todos em suspense, mas chegou a hora de descobrir o que vai acontecer. O resultado é a melhor das temporadas pois consegue equilibrar a dose certa de nostalgia pelos filmes originais e novos elementos a desenvolver com a nova geração de personagens. A metade dos episódios mostra a recuperação de Miguel (Xolo Maridueña) sem esquecer de explorar os demais personagens como o medo de Samantha (Mary Mauser), o ódio de Tory Nichols (Peyton List) e o conflito interno do Falcão (Jacob Bertrand). Todos têm seu tempo em cena bem adequado e, o protagonismo é bem dividido entre Johnny (William Zabka) e Daniel (Ralph Machio). O primeiro também precisa curar as feridas abertas ao longo dos episódios anteriores. Cada vez mais Johnny se afasta de seu filho Robin (Tanner Buchanan), que também sofre as consequências do que fez na temporada passada. A recuperação de Miguel também é a recuperação de Johnny, de seu papel como sensei, e de como seu amor próprio será reconstruído diante do que mudou. Já Daniel (Machio) está em dificuldades nos negócios devido à propaganda negativa gerada pelo incidente na escola. Para se recuperar, Daniel precisa viajar ao Japão e é aqui que a temporada alcança um momento muito esperado, o reencontro de Daniel com Kumiko (Tamlyn Tamita) e Chozen (Yugi Okomoto), personagens muito importantes do segundo filme, de 1985. Atores e personagens originais mostram com seus diálogos a receita correta para continuar uma franquia iniciada há mais de 30 anos, coisa que faltou muitas vezes em tentativas de continuar clássicos dos anos 80 como foi “Rambo: Last Blood”. O humor das situações alivia o aspecto dramático criando momentos memoráveis seja na recuperação de Miguel ou nas tentativas de criar um perfil na internet.

 A volta de Kumiko e Chozen, no entanto, não está nesta temporada somente para cumprir o assim chamado “fan-service”. Sua reaparição é aproveitada para introduzir elementos que servirão para dar fluidez e consistência à história. Nesse sentido, o roteiro consegue o mesmo efeito que o alcançado em “Creed”, quando Stallone muda o foco da história sabendo se colocar em segundo plano para o bem de uma nova história, em sintonia com a atualidade, mas sem desprezar o clássico. “Cobra Kai” consegue o feito de unificar passado e presente em prol de atrair dois públicos bem distintos, os jovens da atual geração, e seus pais que acompanharam os filmes da franquia lançados em 1984, 1986 e 1989. Outro grande acerto da temporada é que gradativamente desvenda-se o passado de John Kreese (Martin Kove), o grande vilão de “Cobra Kai”. As passagens no Vietnã são curiosas por dois motivos: Primeiro, Kove foi um dos antagonistas de Stallone em “Rambo II: A Missão”. Além disso, o valentão que atormenta o jovem Kreese , quando este trabalha de garçom, é vivido por Jesse Kove, o filho de Martin.

 A temporada também trata de arrependimento e perdão. SEM SPOILERS !!!! Alguns personagens mudam, enquanto outros mantem a determinação de suas intenções, movidos cada um por seus próprios motivos. Outra coisa positiva é como os personagens são trabalhados com várias camadas, evitando o simplismo de bem contra o mal. Pat Morita, ainda que ausente fisicamente, é uma presença constante seja nas filmagens em Okinawa ou na América. Outro esperado retorno é Ali Mills (Elizabeth Shue) que chega nos últimos episódios da temporada. Seu personagem foi o interesse romântico de Johnny e Daniel e o pivô da rivalidade entre eles. Ali tem seu próprio arco inserido na temporada no ponto certo de ajudar o desenrolar da história, e justamente sendo a pessoal ideal a unificar os polos opostos entre os dois senseis. Claro que tantas linhas narrativas podem deixar um pouco perdido quem nunca assistiu aos filmes originais, mas é visível que estas correm paralelas para nos conduzir a uma história maior, nos fazendo nos importar com o destino dos personagens, não apenas os antigos como os novos. São peças fundamentais que criam um cenário para uma aguardadíssima quarta temporada, já que o confronto definitivo entre os dojôs é anunciado no apoteótico final que encerra a atual.

 Melhor começar a encerar o chão e a pintar a cerca com a direita e a esquerda.