As Iluminuras de Yimou

O sorgo vermelho, uma cruel e sanguinaria demencia na guerra sino-japonesa dos anos 20

13/11/2021 01:57 Por Eron Duarte Fagundes
As Iluminuras de Yimou

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O encantamento com o cinema do chinês Zhang Yimou acompanha o espectador desde suas primeiras exibições. Desde suas primeiras imagens. O primeiro filme feito por Yimou, O sorgo vermelho (Hong gao liang; 1988), com um prêmio em Berlim, foi rodado quando o diretor já ia pelos trinta e sete anos; parece que o artista estava esperando encontrar o amor da estrela de muitos de seus filmes, a atriz chinesa Gong Li, intérprete de grande expressividade e beleza; quando interpretou O sorgo vermelho ela ia no calor, frescor e sensibilidade de seus vinte e dois anos; quando o cinema reuniu cineasta e sua musa, ele estava casado, separou-se de sua esposa na época para ficar com Li, nunca chegaram a casar-se, permanecendo oito anos juntos, até que ela, quinze anos mais jovem que seu amante-artista, o trocou por um empresário do país; mas Li continuou a atuar nos filmes de seu ex-amante. Uma bela história de amor, cinema e talentos: por trás dos filmes que vemos.

Quando O sorgo vermelho desembarcou no FESTRIO/88, em novembro de 1988, creio que num cinema de Copacabana, no Rio, eu, que estava acompanhando a mostra, não tinha informações nem de Yimou nem de seu filme. Na minha cabeça, o cinema chinês que eu então conhecia de mostras em Porto Alegre era feito de melodramas insípidos ou algumas aventuras fantasmagóricas ingênuas e estereotipadas (uma destas aventuras eu vira alguns dias antes, no próprio FESTRIO, A atriz e o espírito, 1988, de Huang Shuqin). Mas logo nos primeiros dez minutos de projeção de O sorgo vermelho, meus olhos se espantaram com o que viram. A sequência da noiva carregada numa liteira vermelha por alguns homens que lhe entoavam cantigas nupciais estranhas para o paladar ocidental é, antes no Rio, como uma revisão hoje, uma das mais belas produzidas pelo cinema: desde ali, Yimou manobra com grandeza e criatividade o lado intenso das cores no cinema. O vermelho utilizado pela arte de Yimou neste filme é um caso à parte na produção cinematográfica. Yimou voltaria a brilhar em sua obsessão pelo vermelho em outra obra-prima, Lanternas vermelhas (1991), também estrelada por Gong Li. Todo o desenvolvimento de O sorgo vermelho é marcado pela riqueza visual oriental; sua plasticidade transbordante foi tão forte em seu tempo quanto o que representaram as belezas das imagens de Apocalypse now (1979), de Francis Ford Coppola, e Cinzas no paraíso (1978), de Terrence Malick, dizendo-se aqui que o estilo de filmar de Yimou está mais próximo do impressionismo de natureza que vem do filme de Malick (as plantações filmadas por Malick têm algum parentesco com o sorgo, vermelho como o sol, vermelho como o sangue, de Yimou) que do barroquismo à deriva de Coppola. Na sequência que fecha O sorgo vermelho, uma cruel e sanguinária demência na guerra sino-japonesa dos anos 20 e 30, a associação dos vermelhos ditas no texto (o sol, o sangue, o sorgo) produz outro instante mágico do cinema.

Narrado em over por uma voz que se diz neto da personagem central desde sua aparição inicial em primeiro plano no filme (“Esta é minha avó”, diz a voz), O sorgo vermelho faz um pouco e à sua maneira um conto de aldeia que o contador de história está agora recapitulando o que lhe teria contado em tempos idos sua ancestral. Neste aspecto, O sorgo vermelho aproxima-se de outros picos orientais, como A múmia (1969), do egípcio Chadi Abdel Salam, e Sayat Nova, a cor do romã (1969), do armênio Sergei Paradjanov. Obras-primas diversas que revelam uma origem de etnia estética oriental única.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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