A Sintese no Barroquismo
Derrotados e Triunfantes visita trechos das letras que Juremir espalhou em decadas que na verdade sao caminhos, os caminhos de Juremir
Dizem que o barroquismo é o exagero na arte. Na literatura, o exagero verbal. É confundido facilmente com o gongórico, que seria seu maneirismo. É possível a síntese no barroquismo? Derrotados e triunfantes; contos de realidade e ficção (2023), o novo livro de Juremir Machado da Silva, é uma amostra desta síntese. Revela-se ao leitor que acompanha as tensões formais da literatura de Juremir ao longo dos anos (tensões todas barrocas, como, na literatura brasileira, o são Antônio Vieira e José Geraldo Vieira) como uma suma da arte de Juremir. Quando apareceu no jornalismo cultural gaúcho, entre o fim dos anos 80 e o início dos 90, o que surpreendia no texto de Juremir era a criatividade de seu verbo, sem medo de buscar novos voos num meio habitualmente trivial: o exercício do barroquismo, fazendo do jornalismo também uma arte. Na maturidade, Juremir se despoja e depura, sem perder essa essência barroca — todavia, nunca vazia, como muitas vezes ocorre a outros sem seu talento.
Na primeira parte do livro, os microcontos, as realidades instantâneas. Barroco e sintético: precisão na síntese, inventividade no barroquismo, nos dois casos um espírito de poesia, poesia que Juremir também exerce com brilho, pois é este espírito a chama mesmo de seus romances, contos, crônicas, ensaios e, naturalmente, a própria poesia. “Cavalos marinhos: Útero fluvial, caverna marinha, vastas cabeleiras ondulantes das grávidas estações, tão ausentes nas manhãs castanhas. Luísa Paludo Silveira catava mariscos e sonhava com estrelas e mãos no seu corpo.” Haverá, acaso, beleza das palavras mais forte que estas nas letras brasileiras atuais?
Na segunda parte, textos mais longos, os contos, umas ficções. Já não temos as meditações meio ensaísticas. Mas ações narrativas. Com marcações de senso literário. “Tio Lia desencilha. Lava o lombo do petiço. Dá-lhe uma ração de milho. Solta o animal no campinho. Acende o fogo. Prepara o mate. Há muito que não janta mais. Toma oito amargos.”
Derrotados e triunfantes visita trechos das letras que Juremir espalhou em décadas que na verdade são caminhos, os caminhos de Juremir. Na abertura do livro, “Vilma raspava latas”, quase uma onomatopeia. Em Cai a noite sobre Palomas (1995), um romance inaugural, entre muitas divagações de natureza intelectual, “Vilma raspava latas, Nelmar construía marimbondos flexíveis”, ecos na caverna do tempo, o romance dos anos 90 vive entre os homens comuns de Palomas e os célebres trazidos de Paris pelo homem comum que foi tergiversar com os célebres. Os belíssimos arroubos da juventude, exibidos sem temor ou concessão em Cai a noite sobre Palomas, são breves ironias em Derrotados e triunfantes: “Metafísica de bolso: Não passava de um simples homem do campo ou de um gaúcho simples da campanha, na borda do Uruguai.”
Pode o leitor pensar na metamorfose de Juremir dos anos 90 para cá, do século XX para o século XXI, dos delírios da juventude para as medições da maturidade. Mas no fundo, o escritor Juremir Machado da Silva permanece em sua essência: ao fazer a síntese de seu barroquismo de escrever, ao meio que reescrever trilhos já deparados antes, Juremir, melhor dito, seu texto (sua literatura) é uma força rebelde e, mais ainda, iconoclasta. E o título do livro, “derrotados e triunfantes”, também uma síntese barroca, parece definir coisas dos rumos das multifaces do escritor nos últimos anos: entra a derrota e o triunfo, ou a derrota como triunfo.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br