As Relacoes Imperfeitas

As relacoes imperfeitas entre os seres do planeta nascem do isolamento e do ilusorio de cada ser

27/04/2024 17:14 Por Eron Duarte Fagundes
As Relacoes Imperfeitas

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A base das reflexões dos oito ensaios que compõem o livro Pessoas com deficiências e animais não humanos; recortes fenomenológicos (2023; Editora Fi, organizadores Ana Paula Barbosa-Forhman, Anna Caramuru Aubert, Carina Martins de Aguiar e Ricardo Massaro Nakamura Nasser) são as relações imperfeitas entre tudo o que habita este planeta. No primeiro trabalho da coletânea, A vulnerabilidade nos torna (des)umanos: um olhar ético fenomenológico a partir de Levinas, de Marcelo Fabri, a frase de abertura dá a nota: “As violências da vida social crescem espantosamente em nosso cotidiano.” Fabri não aquiesce em nenhuma visão conciliatória: “A vulnerabilidade, constituinte do humano, nos transforma em testemunhas atônitas de comportamentos contraditórios: por um lado, responsabilidade e indignação moral, por outro lado desejo de aniquilar e de excluir. Essa tensão pode ser diminuída, mas não eliminada.” E há certas complexidades que permutam os conceitos nestas relações entre os habitantes do planeta: “Vivemos entre solidão e comunicação, pois a alteridade de outrem é a condição de toda comunicação.”

As relações imperfeitas entre os seres do planeta nascem do isolamento e do ilusório de cada ser. Em As contribuições da “teoria dos mundos próprios” de Jacob Von Uerküll (1864-1944) para a biologia e para os estudos animais e multiespécies, de Carolina Alves d’Almeida, damos com uma realidade incontornável: “Para os seres humanos os peixes e outras criaturas que habitam as fossas abissais são aberrações incognoscíveis, pois são muito diferentes.” O sentido do imperfeito nas relações de domínio entre o homem e os demais animais é equiparado às imperfeições com que, dentro da complexidade das sociedades humanas, os ditos seres humanos deficientes são vistos e tratados. Em Deficiência como identidade política: quem vs o quê, de Alessandra Moraes de Souza, chegamos ao ponto x que conduz à incomunicação (solidão vs comunicação): “Da mesma forma através da história de uma vida seria possível apreender discursivamente a singularidade da existência de um indivíduo particular.”

Em Fenomenologia e esquizofrenia: narrativas do cuidado Ana Paula Barbosa-Fohrmann e Carina Martins de Aguiar se debruçam sobre uma verdadeira epidemia mental de nossa época, o universo dos esquizofrênicos; “Tendo tal sobrecarga em vista, evidencia-se a solidão que macula a ação de cuidar de seus entes com esquizofrenia.” Em O sistema quer que eu fale português!: intersecção entre racismo e capacitismo na poesia de Edinho Santos, Philippe Oliveira de Almeida e Murilo Alan Silva se aproximam, epistemologicamente, do mundo dos surdos-mudos buscando compreender a poesia de Edinho Santos: “A poesia de Edinho Santos é palavra feita de corpo, palavra-gesto, que denuncia uma tripla exclusão: a dos afrodescendentes; a de pessoas com deficiência auditiva; e a dos pobres.” De alguma maneira, em algum momento, somos surdos e esquizofrênicos por não entender nunca a emoção do outro. “Por isso não se trata de um corpo ‘deficiente’, mas de um corpo ‘diferente’.”, asseveram Philippe Oliveira e Murilo Silva.

No  ensaio final, enfeixando a equiparação entre as relações imperfeitas no mundo dos homens (os deficientes assim denominados) e estas idênticas relações na convivência entre homens e outros animais (o que seria capacitismo), Visões crítica e fenomenológica do capacitismo para animais não humanos, Ana Paula Barbosa-Fohrmann e Anna Caramuru Aubert fazem o arremate, à luz das ideias do francês Michel Foucault: “A normalização e a naturalização, seja no caso de pessoas com deficiência, seja no caso dos hábitos de exploração de animais não humanos, não passam, não obstante, de construções sociais, como mera aparência de neutralidade e inevitabilidade.”

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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