A VIDA GAUCHA COMO ELA EH

Sob as imagens evocativas do filme Verdes Anos, Alice constroi, ou reconstroi, os atributos de uma epoca

13/07/2024 03:48 Por Eron Duarte Fagundes
A VIDA GAUCHA COMO ELA EH

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Alice Dubina Trusz é, antes de tudo, uma historiadora. Certo: o cinema parece estar no centro de suas inquietações. Em Verdes anos, memórias de um filme e de uma geração (2016) a pesquisadora, num notável esforço de recuperação de dados, faz uma ampla radiografia dos bastidores do filme gaúcho Verdes anos (1984), realizado no Rio Grande do Sul por Giba Assis Brasil e Carlos Gerbase. Para o leitor que viveu aqueles anos por aqui, o que salta nas páginas é um impressionante mergulho neste tempo que se viveu. Parece que nada escapa a uma espécie de clínica histórica de Alice: o movimento superoitista anterior ou concomitante, os interesses comerciais, os problemas técnicos e estéticos, a recepção crítica antes do filme terminado e depois quando ele bateu nas telas, as adjacências com outras realizações que não chegaram, por motivos múltiplos, a ter o mesmo sucesso, crítico e comercial, de Verdes anos, as vozes uníssonas e outras discordantes em torno desta emblemática realização.

Desde o início, compondo o mosaico do périplo do filme de Gerbase e Assis Brasil (dirigido por eles, porque na verdade há uma sensação do coletivo gaúcho quando se vê ou revê Verdes anos), se observa a clareza de intenções da pesquisadora, propor uma visão da realidade cinematográfica da época como um fenômeno cultural, histórico, social bastante natural e esperado. Em seu tempo, nos era surpreendente e comovedor o sucesso de público de um filme como Verdes anos. Na perspectiva histórica, como se vê no trabalho de Alice, este estouro duma obra como esta tem explicações calcadas em seu tempo histórico. Preparado desde os precários Super 8 (precários, mas clássicos, fundamentais), o público porto-alegrense e gaúcho estava pronto para se ver na tela.

“Na segunda metade dos anos 1970, uma série de manifestações musicais, teatrais e cinematográficas deu nova feição à cultura porto-alegrense. Orientada por um novo olhar sobre o cotidiano e o tempo, a história e o lugar do indivíduo na sociedade, uma nova geração de produtores culturais surgiu, se mostrou e afirmou por meio de diferentes manifestações, disseminando a sua visão de mundo e construindo o seu espaço de atuação.”

Sob as imagens evocativas do filme Verdes anos, Alice constrói, ou reconstrói, os atributos de uma época. As memórias de um filme, como  diz seu título, são as memórias de uma geração. As próprias pessoas envolvidas com esta célebre produção veem com olhos muito críticos a existência do filme. Para o ator Werner Schünemann, “nós, na época, achávamos Verdes anos o pior filme que a gente tinha feito”. Para o cineasta Carlos Gerbase, reconhecendo a importância de ter feito o filme, um Super 8 como Inverno (1983) diz mais sobre suas ambições estéticas. Para o realizador Giba Assis Brasil, Verdes anos, que foi a coroa do movimento superoitista aqui convertido numa bitola comercial, foi um passo para trás em relação aos aspectos libertários dos enredos anteriores. Mas, a despeito destas reservas vindas de dentro, o livro de Alice estampa uma realidade: a sobrevivência do filme para além dos olhares críticos que se possam ter, ontem e hoje.

O entusiasmo de Maria Lúcia Fróes num texto da época, diante das bilheterias de Verdes anos que superavam obras de fama internacional então, mede mais claramente hoje a perspectiva histórica da realização. Tuio Becker anotou naqueles dias: “Quando estreia um filme gaúcho, sempre dá aquele medo: como fazer uma análise crítica sem ferir a sensibilidade dos realizadores?” De uma certa maneira, rolando os anos que se transformam em história, o medo aludido por Tuio pode permanecer. Este medo só pode desfazer-se em face da forma aberta e ampla com que Alice Dubina Trusz encara a realidade, as formas e as contradições que cercam a feitura de um filme-marco.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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