O Historiador no Romancista

O sopro lirico de Exilio tem a marca inconfundivel do escritor Andr? Caramuru Aubert

21/10/2024 20:32 Por Eron Duarte Fagundes
O Historiador no Romancista

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André Caramuru Aubert tem o senso do romance. Dentro duma literatura, como a brasileira, movido muitas vezes por intuições, André utiliza marcações mais precisas em suas costuras narrativas: sua sensibilidade (natural) é feita de situações romanescas que caem quase como uma régua em cada linha, em cada página. Exílio (2024) é uma nova amostra deste talento de exceção que oferece ao leitor uma espécie de relógio literário, com seus ponteiros ajustados. Mas não se deve confundir o relógio verbal de André com aquele tipo de estaticidade sem a dinâmica ficcional que se espera de um bom romance. A formação em História de André invade os assuntos de seus livros de ficção, assim como, no século XIX, acontecia com o escritor português Alexandre Herculano; mas o que transforma André num artista superior da palavra é sua veia de ficcionista, como alguém que compõe suas histórias propondo estruturas formais cuja narrativa sintática ou até semiótica se vai tornando original ainda que não use nenhum dos recursos de experimentação de um Guimarães Rosa ou Clarice Lispector, para ficar na literatura brasileira. André se vale do que se poderia chamar uma objetividade na sensibilidade; algo como uma função lírica (no sentido mais entranhado na questão estética) do romance.

O sopro lírico de Exílio tem a marca inconfundível do escritor André Caramuru, cuja depuração máxima do estilo de escrever se teria dado (entre tantos livros notáveis) em A cultura dos sambaquis (2014), também uma fusão dos caminhos da História e do romance. Em Exílio André vai a um assunto extremamente próximo de si, pois refere histórias e vivências de seu próprio pai, que ele reconstrói, alterando, sob a forma duma ficção. A personagem é um roteirista (de cinema) paulistano cujo pai é uma espécie de criatura-testemunha no enredo; o foco inicial é a amizade deste pai com um “pied noir”, um argelino que se tornaria um dos muitos apátridas do século XX por questões geopolíticas ou históricas (nem argelino nem francês), e o narrador propõe um contraponto entre este ser de ficção, André Giraud, e a evocação dum indivíduo histórico, o escritor franco-argelino Albert Camus. O contraponto também se dá porque uma cidade árabe no Marrocos é reproduzida no norte do Brasil, onde Giraud e o pai do narrador se encontraram, Giraud na pele dum aviador do garimpo na Amazônia. Caramuru Aubert desenha estes processos (ou veludos) históricos com as marcações precisas que já referi, permitindo um desenvolvimento romanesco que em momento algum possa cair no enfado duma descrição histórica. André, que se saiba, nunca escreveu um livro de história; é um romancista, esta sua arte, este seu trunfo.

Em Exílio as questões históricas não chegam a ter o sentido de divertimento ficcional, à maneira de O trono da rainha Jinga (1999), de Alberto Mussa. Mais denso e menos apegado às fantasias das relações interpessoais, no entanto André, especialmente na parte final do livro, ao construir o caso de amor entre o narrador (um roteirista que agora está escrevendo um livro) e Sofia  (filha de André Giraud, o amigo evocado do pai do narrador), busca suavizar, sem muitas concessões todavia, a aridez da História com uma história sentimental. No corpo narrativo André Aubert deixa o abalado caso romanesco entre Sofia e narrador em suspenso. Mas o que fica mesmo, e o que interessa ao observador literário, são as minúcias históricas das vidas dos muitos sem pátria do século XX. Que, já está na citação a Santo Agostinho que abre Exílio, teriam vivido em boa parte “espremidos entre as fezes e a urina”.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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