O Simbolismo da Cor na Literatura
O norte-americano Nathaniel Hawthorne não é o único que usa o simbolismo da cor, com viés enigmático, na literatura
O norte-americano Nathaniel Hawthorne não é o único que usa o simbolismo da cor, com viés enigmático, na literatura. Mas em A letra escarlate (The scarlet letter; 1850) esta simbologia da cor escarlate atribuída a uma letra sai de dentro de seu enigma e parece uma força dramática inquietante. Vinte anos antes deste livro de Hawthorne, na França, o ficcionista Stendhal, em O vermelho e o negro (1830), não deu muitas pistas a seus leitores sobre as origens a cores do título de sua obra; mais recentemente, outro francês, Jean-Christophe Rufin escreveu Rouge Brésil (2001), que falava das antiguidades de um país, Brasil, a partir da cor do líquido que saía duma árvore nativa, o pau-brasil, mas, aludindo às origens de seu livro, Rufin diz que metaforizava o ser humano de maneira geral, este ser que já na infância sofre um embarque forçado para aprender uma língua (e hábitos sociais). Hawthorne não: seu símbolo da cor tem uma veia narrativa, ou dramática, parece ser a essência mesma de sua história.
“Seria verdade mesmo? Ela apertou o bebê com tanta força contra si que ele soltou um gemido; Hester voltou os olhos à letra escarlate e chegou a tocá-la com um dedo, certificando-se de que a criança e a infâmia eram reais. Sim! Aquela era a sua realidade atual, e todo o resto havia desaparecido!” Quem é Hester, a protagonista de A letra escarlate? Uma mulher que, cometendo adultério com um pastor e deste ato adúltero nascendo uma filha, vai ser atacada pelos puritanos em torno; ela será marcada com a letra escarlate para que todos saibam o pecado que cometeu. O enigma salta fora pela letra escarlate: as bruxas de Salém, onde nasceu o escritor, vêm todas para cima do leitor. Há um ensaio, “A alfândega”, por via de regra publicado com o romance, em que Hawthorne escarnece da burocracia entediante, então nascente, numa estação portuária pública onde ele próprio chegara a trabalhar antes de se entregar à literatura. Este pequeno ensaio serve de holofote à narrativa de A letra escarlate: os fantasmas do nojo social já estão todos no ensaio que precede a ficção. O apodrecimento social começa muito tempo antes que a arte o denuncie. A atualidade do texto de Hawthorne, ainda que fale de coisas e assuntos e linguagem extremamente datados, é um dado extasiante: a hipocrisia das marcações sociais como esta que despenca sobre a heroína de Hawthorne e a automação de certos gestos reiterativos dos indivíduos permanecem hoje, agora exacerbados. A internet como a disseminação de robôs humanos ou a internet como a disseminação do ódio entre indivíduos diferentes seriam focos bem caros ao ficcionista americano, se ele escrevesse nos dias que correm.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br