Herzog e Uma Visao de Mundo

Herzog revela-se: ou abre-se. Ou ainda desnuda-se. Conhece a si mesmo no mais interior de sua estetica

02/08/2025 02:37 Por Eron Duarte Fagundes
Herzog e Uma Visao de Mundo

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Os filmes do alemão Werner Herzog têm uma característica única, especialmente pelo coeficiente de  estranheza que muitas de suas encenações trazem. Em seus livros ele reedita esta característica singular, substituindo as palavras às imagens. Cada um por si e Deus contra todos (Feder für und Gott gegen alle; 2022) é um itinerário verbal em que o cineasta-escritor percorre muito de sua vida e outro tanto de seu cinema. Um diário, certo, mas um diário diverso, muito à maneira de Herzog, o Herzog dos filmes que incomodavam a percepção estética das décadas de 70 e 80, principalmente. Diário assim como um antigo livro seu, Caminhando no gelo, escrito na década de 70, um relato que põe em marcha a caminhada de Herzog de Munique a Paris para honra da saúde da ensaísta de cinema e sua amiga Lotte Eisner, então internada num hospital da capital francesa. Cada um por si e Deus contra todos se cruza com todos os filmes de Herzog e com o próprio livro (literatura) Caminhando no gelo; o novo livro de Herzog é também uma caminhada: uma árdua e severa vontade que um ser de exceção como Herzog tem de compreender-se a partir do que viveu e fez  ao longo da vida.

No começo de sua aventura (em seu livro e na vida mesmo) Herzog é um homem rural. “Lembro que, ainda antes de eu ir para a escola, meu irmão mais velho, Till, e eu pastoreávamos as vacas na propriedade dos Lang.” O rural primitivo nunca deixou de animar o universo desorientador de Herzog. Transformou-se esteticamente, mas algo da essência original caracterizou certos aspectos de seus rumos. Herzog, como um cérebro que convive com as contradições de seu tempo histórico, assopra ao leitor, este seu leitor perplexo e que se desorienta diante de um filme ou de um livro: “Naqueles anos era para mim angustiante ver muitos intelectuais, entre eles o escritor Günther Grass, rechaçarem veementemente a ideia de reunificação alemã. Eu o desprezava de todo o coração. Não me surpreendeu que Grass tenha admitido tarde em sua vida que serviu na SS, mas ao mesmo tempo respeito sua coragem de lidar com o passado.”

Herzog revela-se: ou abre-se. Ou ainda desnuda-se. Conhece a si mesmo no mais interior de sua estética. E assina-se: “Eu tinha consciência de que —por conta do meu quase total desconhecimento do cinema— eu teria que inventá-lo à minha maneira.” Era o que nossa intuição estética acusava naqueles anos recuados, jovens espectadores de descobertas.

Como desabrocham suas formas cinematográficas tão originais? É o próprio Herzog quem dá o viés: “De qualquer maneira, eu me pergunto se há nas famílias uma memória que permanece oculta. Ou, dito de outra forma: há imagens que estão adormecidas em nós e só se libertam de seu sono por algum tipo de estímulo? Acho que sim e, de alguma maneira, em todo o meu trabalho, estive em busca dessas imagens, sejam os 10 mil moinhos de vento de Creta, que constituem a imagem central de meu primeiro longa-metragem, Sinais de vida, ou o navio a vapor sendo arrastado morro acima, metáfora central do meu filme Fitzcarraldo? Sei que é uma grande metáfora, mas do que não sei dizer.” Talvez o próprio Werner Herzog, com seus filmes, livros e visão de mundo, seja uma metáfora incógnita no caminho da humanidade.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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