O Que Produz o Improdutivo
O francês Philippe Joron decidiu meditar sobre a complexa sociedade do século XXI a partir do conceito do improdutivo
O francês Philippe Joron decidiu meditar sobre a complexa sociedade do século XXI a partir do conceito do improdutivo. A vida improdutiva: Georges Bataille e a heterologia sociológica (La vie improductive: Georges Bataille et l’hétérologie sociologique; 2009) trata disto: os aspectos subversivos das atividades sem muito sentido econômico que cercam as grandes questões sociais de nosso tempo; cercando os assuntos fundamentais da educação e da distribuição das riquezas, podemos ver a festa e o espetáculo como paralelos inúteis do utilitarismo capitalista. Para que servem? Para nada, quer dizer, para subverter a ordem utilitária. “Para ir ao mais simples, a heterologia é nada mais que um domínio do pensamento subversivo que se propõe não somente a mostrar o que é deixado por conta —a vida improdutiva—, mas também a trazer uma ordem de compreensão ao conjunto desses fenômenos cuja atividade séria dos homens não leva em conta, apesar de constituí-la.”, anota Joron em seu ensaio. Segundo o Dicionário Aurélio, o que é heterólogo é composto de elementos diferentes pela origem ou pela estrutura. Consoante a definição de Le Petit Robert, o prestigiado dicionário francês, “hétérologue” é um adjetivo que define aquilo “dont la structure paraît differente de celles d’autres parties de l’organisme” (“cuja estrutura parece diferente daquelas de outras partes do organismo”). A estrutura da festa é diferente da estrutura social ou agrícola? A festa constitui a sociedade e o mundo agrícola, apesar destas diferenças estruturais que a deixam de lado no pensamento sério?
No termo “improdutivo” de Joron o leitor vai encontrar muita autenticidade, pois o autor fala um pouco de si mesmo, de sua propensão para o inútil. Embora contemporaneamente muitos queiram forçar o escrever e o pensamento para caminhos de utilidade (do tipo: para que serve?), a estrutura da atividade beira a inutilidade, no que difere muito da criação duma horta ou duma organização escolar. Mas é também no espaço deste “improdutivo” de Joron que topamos um vigor irônico; é o improdutivo provisório que gera a subversão e a mudança. “É nessa região dos atos inúteis”, assevera o filósofo do improdutivo, “que se encontram em certas ocasiões pontuais os homens dos abismos, das planícies e dos cumes, dos quais falávamos acima, é nessa geografia eterna e sensível da comunhão festiva que transformam-se em vontade comum, segundo as disposições intratáveis da alma antropológica: potência e soberania.”
Descontraído, como um bom conversador literário da contemporaneidade, Joron percorre os sentidos enviesados do improdutivo (provisoriedade, verdade, autobrincadeira) de maneira intelectualmente produtiva. A poesia e a fórmula de Bhaskara são desse patrimônio.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br