O Tobogã da Memória

Veja que Eron comentou que "Não me ocorre que algum outro trabalho de Fellini tenha merecido tanta ira e má vontade quanto A Cidade das Mulheres". Confira!

26/06/2013 23:31 Por Eron Fagundes
O Tobogã da Memória

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É bem verdade que os últimos filmes do italiano Federico Fellini foram recebidos com impaciência pelo mundo do cinema que tanto festejou o cineasta nos anos 50, 60 e 70. Mas não me ocorre que algum outro trabalho de Fellini tenha merecido tanta ira e má vontade quanto A cidade das mulheres (La cittá dele donne; 1980), mesmo entre os fellinianos mais arraigados. O crítico gaúcho Tuio Becker depositou este filme entre os dez piores filmes da temporada de 1981 (e olha que, com a liberação do sexo explícito, os monstrengos estavam à solta nas telas dos cinemas). O paulista Rubens Ewald Filho escreveu considerações demolidoras contra o filme. E no entanto nem Tuio nem Rubens são anti-Fellini: antes pelo contrário. Um dos melhores textos de Tuio é “Casanova de Fellini: amante, mágico e repórter”, defendendo uma das mais controversas realizações do gênio italiano. Rubens começa o verbete sobre Fellini em seu Dicionário de cineastas assim: “O maior gênio do cinema atual.” Que aconteceu então relativamente a este A cidade das mulheres? Meu palpite: uma certa inconsequência travessa, pueril mesmo perturbou estes críticos.

Assim, não espanta que A cidade das mulheres permaneça ainda hoje meio de viés num olhar atual para a obra de Fellini. E não surpreende que se possa incluí-lo num ciclo de “Clássicos obscuros”, como foi o que o Clube de Cinema de Porto Alegre encerrou no último dia quatro de dezembro, justamente com a exibição de A cidade das mulheres. Fellini é um realizador que nada tem de obscuro, ao contrário sempre foi considerado como um cineasta solar, luminoso. O que é obscura no caso é a consideração que se tem para com A cidade das mulheres.

O filme é na verdade um delírio extremamente fácil que escorre das veias cinematográficas de Fellini. O ponto mais característico desta facilidade, o jeito brincalhão e até superficial da intensa criatividade visual de Fellini é a sequência, quase ao final, do “tobogã da memória”, onde, escorregando pelo brinquedo de um parque de diversões, Snaporaz, o protagonista, passa a lembrar-se de alguns episódios de sua vida ligados a mulheres. Apesar de um ou outro ponto mais duramente melancólico, a narrativa de A cidade das mulheres é saltitante como uma criança que acabou de deixar as fraldas e é por aí que os espectadores começam a desistir de Fellini e de seu circo macho-fêmea.

O filme começa e termina com a personagem de Marcello Mastroianni (Snaporaz) cochilando dentro dum trem. O que se passa entre estas duas imagens é o delírio da personagem. Ela sonha que entra num congresso de mulheres, e aí é que se passa a turbulência de um macho perdido no reino das mulheres. Numa das imagens iniciais, no vagão ao lado daquele onde está o protagonista, um grupo de crianças não para de saltitar; conta o folclore da produção do filme que foram os saltos destas crianças que sacudiam o vagão de Marcello, criando uma ilusão de movimento (quem diria, a esta altura, que Fellini nasceu do realismo cinematográfico italiano?).

Não se pode negar que Fellini é criativo, mesmo que o resultado final de A cidade das mulheres não seja tão espantoso quanto em obras-primas como Oito e meio (1963) e Amarcord (1973). No entanto, A cidade das mulheres, por algumas reiterações e um ritmo de narrar diferenciado, mais vagaroso (mesmo que recheado de ações farsescas), pode topar alguma dificuldade de assimilação por parte do espectador de hoje.

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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