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Divinas é um exemplar legítimo de um filme de altos e baixos, e são os altos que nos fazem persistir

15/02/2017 14:56 Por Bianca Zasso
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Quando a plataforma Netflix deu início ao seu trabalho de produzir filmes e séries, muitas foram as apostas sobre o futuro do investimento. Seria o fim da TV? Esta já foi dada como morta há tempos e se mantém, apesar de meio bamba. No meio cinematográfico, poderia ser a oportunidade de diretores iniciantes mostrarem seus trabalhos e também de uma dose de experimentalismo e liberdade para criadores já consagrados. A jornada foi iniciada e o que se viu foram produções pouco inovadoras, apesar dos roteiros bem estruturados. A euforia inicial deu lugar a uma certa decepção em Divinas, segundo longa-metragem da diretora Houda Benyamina.

A primeira impressão é intensa. Os créditos iniciais informam que o filme venceu a Câmera de Ouro em Cannes, um prêmio importante para novos realizadores. Em sintonia com a realidade, Divinas inicia com imagens captadas por um celular, mostrando o cotidiano de duas adolescentes, Dounia e Maimouna, na periferia de Paris. Elas dançam, sorriem e fazem caras e bocas como se a vida fosse um sonho. Ou seja, vendem nas redes sociais um mundo que não é o seu e que logo será apresentado ao espectador. O Arco do Triunfo e as luzes são um desejo distante que mora na próxima esquina.

As duas amigas vivem em condições precárias e buscam a todo custo um caminho que as leve para longe do cenário em que cresceram. Enquanto Maimouna vive assombrada por sua religião, o islamismo, Dounia encontra no tráfico de drogas o dinheiro e a atenção que lhe faltam dentro de casa. São opostos atraídos pela amizade, uma medrosa e sonhadora e a outra violenta e gananciosa. Divinas peca por tornar os objetivos de ambas meros coadjuvantes. A força dos diálogos e da câmera semidocumental da primeira hora dão espaço para um modelo mais comportado de filmagem, acompanhado de uma trilha sonora pomposa demais para o retrato realístico ao qual o filme se propõe. Se não houvesse música, as cenas seriam muito mais tocantes.

Divinas é um exemplar legítimo de um filme de altos e baixos, e são os altos que nos fazem persistir. Isso porque, com a entrada de um novo personagem, o aspirante a bailarino Djigui, a habilidade de subir em muros e despistar policiais de Dounia ganha um novo significado. É uma dança que faz paralelo com a arte que move o seu interesse romântico no filme. Surgem tons lúdicos quando ela o observa ensaiar e também quando uma discussão entre o casal é transformada em coreografia. O pensamento do espectador é um só: o filme vai engrenar. Porém, voltam os clichês, de câmera e de roteiro, e fica mais evidente a falta de maturidade da protagonista. A atriz Oulaya Amamra mostra ter futuro, mas erra o tom, em especial nas cenas em que contracena com   Déborah Lukumuena, bem mais à vontade no papel de Maimouna.

O que nos aguarda em Divinas é sombrio. Sabemos que as duas meninas não terão o clima de conto de fadas como uma constante no futuro e isso é mostrado de forma crua. No entanto, ao lembrarmos das cenas encantadoras que Benyamina apresentou no encontro de Dounia e Djigui, brota a esperança de que seria interessante deixar o sonho conduzir o medo no clímax do filme. É a mesma esperança que nos faz esperar com certa ansiedade o próximo trabalho da cineasta.

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Sobre o Colunista:

Bianca Zasso

Bianca Zasso

Bianca Zasso é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Durante cinco anos foi figura ativa do projeto Cineclube Unifra. Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Ama cinema desde que se entende por gente, mas foi a partir do final de 2008 que transformou essa paixão em tema de suas pesquisas. Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands. Como crítica de cinema seu trabalho se expande sobre boa parte da Sétima Arte.

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