Solaris
Solaris é um dos maiores filmes de ficção científica da história do cinema
Solaris é um dos maiores filmes de ficção científica da história do cinema. Ponto. Fim do texto.
Não precisaria dizer mais nada. Porém é um filme tão rico, que merece algumas palavras. Curiosamente, seu conteúdo filosófico remete ao filme 2001: Uma Odisseia no Espaço, lançado 4 anos antes, causando inúmeras comparações. Não são produções para serem comparadas, pois há espaço para os dois no Olimpo cinematográfico. Andrei Tarkovsky, curiosamente, assim como Kubrick, realizou poucos filmes. Este dirigiu 13 filmes ao passo que Tarkovsky fez 10.
Solaris é baseado na obra de Stanislaw Lem, que não foi só um dos grandes nomes da ficção científica, mas também o filósofo que realizou a fusão da esperança no futuro com a amargura da experiência humana nos romances que escreveu. Publicada em 1961 (uma década antes de ser levado ao cinema) Solaris é uma das suas obras máximas, escrita e pensada para servir dar um alerta à euforia que as conquistas espaciais da época causavam.
O Espelho
A história analisa as implicações psicológicas decorrentes da falta de interação humana em um cenário fora do habitual, que por sua vez, parece tirar proveito desta ausência para estudar a natureza dos que estão ali para estudá-lo. Esta ideia remete a uma estrutura espelhada, onde o ser humano tem possibilidade de ser ver, mas realizando uma análise errônea ou invertida. Tarkovisky genialmente ensaia a ideia na cena abaixo, bem no início do filme.
Solaris é o nome do planeta descoberto pelos russos. Segundo relatos de astronautas que lá estiveram, o oceano de Solaris é na verdade um enorme organismo que cobre grande parte de sua superfície, e funciona como um cérebro, capaz de comunicar-se com seres humanos gerando materializações baseadas em memórias retiradas de suas mentes.
É claro que tais relatos são vistos com desconfiança. Eles entendem que o planeta não precisa de tanta atenção. Apenas uma estação orbital vai realizar a pesquisa, tripulada apenas com 3 cientistas. O filme começa quando um morre de forma estranha, sendo substituído pelo psicólogo Kris Kelvin, que ao chegar à estação, percebe que outros dois, Snaut e Sartorius , estão à beira da loucura. Com o tempo o próprio Kelvin passa a se sentir estranho, tendo transes oníricos onde vê sua ex-esposa Hari, falecida há anos.
Kelvin mostra-se cético quanto aos efeitos produzidos pelo planeta e o seu oceano. Após o depoimento de um cosmonauta, ele descredencia a experiência atribuindo aos fatos ocorridos como alucinações. O problema é que quase todos os habitantes da estação orbital em Solaris tiveram "alucinações" semelhantes e morreram em circunstâncias misteriosas, incluindo entre elas o Dr. Gybarian, um físico bastante conservador e cético que cometeu suicídio. Quando recebeu a informação sobre Gybarian, Kelvin começa a investigar, inclusive tendo acesso a uma gravação que o seu amigo físico o deixou, prevendo que este iria a Solaris, informando-lhe dos acontecimentos estranhos que estavam ocorrendo. Gybarian diz, na sua gravação, que aquilo que viu era real, e não frutos da sua imaginação.
A partir daí Kelvin faz uma imersão neste mundo, mesmo que de forma cética, começando a questionar sua lógica, não distinguindo mais a realidade do irreal depois do contato com sua falecida esposa.
I See Dead People
O mundo em Solaris não segue o nosso padrão, fazendo Kelvin acreditar que aquela mulher é, de fato, a sua esposa. É nessa relação dos dois que emerge o amor e o sentimento: o psicólogo, amargurado pela perda da mulher, apega-se à figura de Hari, que não sabe quem é, nem de onde veio, e ambos iniciam um processo de autoconhecimento, uma busca desesperada pela identidade dos seus seres tendo a paisagem onírica e surreal de Solaris ao fundo. Esse processo consiste, na verdade, em uma jornada pela alma humana, e tem como causa o oceano misterioso, que se não é uma espécie de consciência, no mínimo parece exercer uma sinistra influência sobre os cientistas da estação orbital, agindo de uma forma completamente desconhecida, direta ou indiretamente, sobre as mentes dos tripulantes da estação, especialmente Kelvin.
Falar mais é tentar filosofar a filosofia do filme. É uma produção para ser sentida, para entrar naquele mundo sem preconceitos. Para viajar no lirismo, na poesia das imagens (como as do vento nos campos ou do carro que percorre as ruas). Uma experiência cinematográfica plena, em todos os sentidos, que transcende o próprio cinema como linguagem reflexiva e de caráter filosófico, algo que só um cineasta transgressor e profundo como Andrei Tarkovsky pôde realizar.
A edição especialíssima, lançada pela UMES Filmes tem extras para cinéfilo nenhum botar defeito. São 25 minutos de cenas excluídas ou alternativas além de 1 hora e 51 minutos de depoimentos sobre a produção e Stanislaw Lem. Imperdível.
Sobre o Colunista:
Marcus Pacheco
Marcus V. Pacheco é jornalista, formado na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Cinéfilo, Editor de site, Colecionador e Escritor. Marcus já realizou vários curtas metragens e um longa chamado "O último homem da terra (2001)", baseado no conto de Richard Matheson. Escreveu também 30 e-books sendo 29 sobre cinema e um de ficção que está em fase inicial para publicação. Criador e editor do site "Tudo sobre seu filme (http://www.tudosobreseufilme.com.br/)" onde publica críticas, listas, aulas de cinema e curiosidades do mundo da 7ª arte há 4 anos, além de realizar entrevistas com atores, diretores, críticos e colecionadores do mundo todo.