Platos: Fragmentos do Seculo

No fundo, um exerc?cio nomade de literatura filosofica

21/11/2025 01:21 Por Eron Duarte Fagundes
Platos: Fragmentos do Seculo

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Os franceses Gilles Deleuze e Félix Guattari escreveram juntos este panorama filosófico da contemporaneidade Mil platôs (Mille plateaux; 1980). As referências a que aludem Deleuze e Guattari são muitas e enciclopédicas. “Fomos criticados por invocar muito frequentemente literatos. Mas a única questão, quando se escreve, é saber com que outra máquina a máquina literária pode estar ligada, e deve ser ligada, para funcionar. Kleist e uma louca máquina de guerra, Kafka e uma máquina burocrática inaudita.” A filosofia não nasce com eles e os autores a buscam em toda parte como base de construção de um raciocínio contemporâneo, cujo subtítulo, “Capitalismo e esquizofrenia 2” (o 1 foi O anti-Édipo, livro anterior da dupla) diz muito das relações entre os seres (do homem à natureza) no século XX e mais ainda no século XXI. Mas Mil platôs é um arcabouço filosófico original: tão enciclopédico, tortuoso e amiúde obscuro quanto pode ser uma aventura de pensar, meio à deriva, nos tempos quânticos e indiferentes que vivemos. “Comunicações transversais entre linhas diferentes embaralham as árvores genealógicas. Buscar sempre o molecular, ou mesmo a partícula submolecular com a qual fazemos aliança. Evoluímos e morremos devido a nossas gripes polimórficas e rizomáticas mais do que devido a nossas doenças de descendência ou que têm ela mesma descendência. O rizoma é uma antigenealogia.”

Na edição brasileira, com vários tradutores, a obra foi dividida com cinco volumes, com o consentimento dos filósofos, conforme assevera a nota dos editores. Mas esta fragmentação do texto não retira a unidade ou os aspectos inteiriços do pensamento que percorre as tensões do livro como narrativa filosófica. Os platôs são mil, dizem, porque os territórios de pensar são muitos hoje em dia e cada vez mais. “aos vetores que as atravessam, e que constituem territórios graus de desterritorialização.” Deleuze e Guattari dividiram entre si os platôs a pegar e lá pelas tantas os fundiram, para que nascesse o livro. Que parte (ou território ou platô) pertence a este ou àquele já não importa, o que temos é um conjunto, que são ideias e linguagem. “Toda lógica da árvore é uma lógica do decalque e da reprodução. Tanto na Linguística quanto na Psicanálise, ela tem como objeto um inconsciente ele mesmo representante, cristalizado em complexos codificados, repartido sobre um eixo genético ou distribuído numa estrutura sintagmática.”

A psicanálise (ou, no específico, a esquizofrenia) é um modo de linguagem que é um modelo de ideia. Mil platôs está muito adiante do ano de 1980 em que foi publicado: é, como a esquizofrenia a que alude, uma visão no futuro? Ao debruçar-se em algum recanto de seu livro sobre a literatura de Virginia Woolf (“como átomos de feminilidade, capazes de percorrer e de impregnar todo um campo social e de contaminar os homens”) a ficção de Henry James (“uma forma infinita do segredo”) ou o cinema de Werner Herzog (“O filme de Herzog, Aguirre, shakespeariano”), Deleuze e Guattari dão pistas da própria semiótica de seu livro.

Os platôs de Deleuze e Guattari dão muitas voltas, nós que o leitor é convidado a desatar, mas, em determinado momento, uma inquieta indagação faz um movimento de retorno: “Quais os fatores de evolução ou de mutação, e que relações os Estados evoluídos mantêm com o Estado imperial arcaico?” A partir daí, Mil platôs encaminha seus gestos finais, cheios de desvios e mesmo abstrações. “Mas é neles que a luta muda, se desloca, e que a vida reconstitui seus desafios, afronta novos obstáculos, inventa novos andamentos, modifica os adversários.” É, no fundo, um exercício nômade de literatura filosófica.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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