De Onde Vem a Lentidão

Era uma vez no Oeste permanece o grande filme que sempre foi

16/02/2018 06:25 Por Eron Duarte Fagundes
De Onde Vem a Lentidão

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O cineasta italiano Sérgio Leone chegou a seu ápice cinematográfico em Era uma vez no Oeste (Once upon a time in the West; 1968), onde ele exacerba o caráter formalista de seu cinema. Depois de Por um punhado de dólares (1964), Por alguns dólares a mais (1965) e Três homens em conflito (1966), o nome do italiano Leone ficou ligado ao western-spaghetti, uma macarronada com o faroeste, gênero por excelência americano; uma necessidade muito europeia de realizar sua corruptela artística da arte ianque.

Mas evidentemente os pretendidos filmes americanos ou americanizados de Leone são muito do Velho Continente. Formado como realizador nos anos 50 e 60, Leone é sem dúvida um estilista notável dum ritmo cinematográfico bastante intelectual que o cinema europeu de então executava. A plateia habitual do faroeste segundo John Ford deve ter lá suas dificuldades de assimilar as experimentações plásticas de Leone, com seus planos obsessivos que esticam interminavelmente a duração da ação, repetindo muitas vezes enquadramentos que, embora difiram entre si visualmente, têm o mesmo sentido temático de arrolar clichês do gênero para exercitar a depuração formal e manter uma fina tensão de espera para os episódios de embate (a longa espera pelo duelo final entre as personagens de Charles Bronson e Henry Fonda é um bom exemplo deste procedimento exasperante de Leone).

Ajudado pela fotografia deslumbrante de Tonino Delli Colli e contando com a marcação musical de um Ennio Morricone quase plástico, Leone faz de Era uma vez no Oeste um êxtase fílmico, uma voracidade em que a imagem devora o espectador com sua beleza. A história contida no roteiro de Dario Argento, Bernardo Bertolucci, Sérgio Donati e do próprio Leone alinhava uma série de lugares-comuns que a profundidade plástica se esforça por tirar de seu ramerrão. E o logra com brilho. Brilho também não falta à lubricidade da presença cênica de Cláudia Cardinale, a atriz de Oito e meio (1963), de Federico Fellini, e de Os profissionais (1966), de Richard Brooks. Fonda é um mito. Bronson constrói uma persona de cinema entre Clint Eastwood (o ator inicial de Leone) e o que ele próprio, Bronson, viria a ser nos anos seguintes. É bom reencontrar o excelente Jason Robards. E descobrir entre os coadjuvantes o ator italiano Gabriele Ferzetti, que descobriu para Michelangelo Antonioni A aventura (1959), que é mesmo a origem desta lentidão minuciosa que Leone persegue em seu Era uma vez no Oeste. Uma das imagens mais persistentes desta perseguição pelo carro-lento de filmar são planos desfocados duma criatura que se dirige para a câmara pelos cenários desolados do Oeste mítico americano; igualmente belos e obsessivos são os planos que, na parte de fechamento do filme, mostram os operários que constroem a ferrovia (a chegada do progresso ao interior do país) e a passagem de um trem nos trilhos ainda circundados de trabalhadores.

Vale a pena esperar pelo confronto final entre Bronson e Fonda, sequência onde a técnica exuberante de Leone (um plano geral que enquadra milimetricamente os dois contendores e um plano fechadíssimo dos olhos de Bronson se cruzam numa montagem cautelosa e medida) atinge seu ponto mais alto. Outra funcionalidade plástica do estilo de Leone é enquadrar o ator (muitas vezes só o seu rosto) contra a paisagem de western; se se diz que o rosto em Leone chega a ser a própria paisagem, um cenário-face como no dinamarquês Carl Theodor Dreyer ou no sueco Ingmar Bergman, mas com componentes muito diversos. Por todas estas associações e mais outras que cabe ao espectador descobrir, Era uma vez no Oeste permanece o grande filme que sempre foi.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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