A Memoria e o Envelhecimento

O andamento cinematografico de A fera na selva ? essencialmente de literatura filmada

12/12/2019 14:00 Por Eron Duarte Fagundes
A Memoria e o Envelhecimento

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O filme brasileiro A fera na selva (2017) diz, em seus créditos, de “Eliane Giarddini e Paulo Betti”, e anota ao lado: “Codireção de Lauro Escorel”. A propriedade intelectual do filme parece ser do casal Giardini-Betti, cujo casamento na vida real se desfez há vários anos mas ainda e sempre em comunhão artística (para além dos filhos que ambos têm em comum). Escorel deve ter participado mais da parte técnica; ele assina a fotografia, e são as sinuosidades plásticas dos quadros cinematográficos, das cores e dos movimentos de câmara que jogam o filme para sua sensibilidade tão fora de moda quanto certamente única no cenário atual do cinema brasileiro.

Eliane e Paulo transpõem para o cinema o texto duma novela do norte-americano Henry James, adaptando-a para nosso universo nacional. Na verdade, trata-se da utilização do material textual duma peça teatral que eles próprios encenaram na década de 90. O roteiro tem quatro mãos: Paulo, Eliane, Luiz Artur Nunes e Rafael Romão. Paulo e Eliane interpretam o casal central, João e Maria, que se teriam conhecido num barco e se reencontram numa visita a uma residência-museu, onde a memória dele colide com a memória dela sobre o primeiro encontro no barco; esta discussão entre as personagens sobre o que um lembra e o outro contradita remete a O ano passado em Marienbad (1961), do francês Alain Resnais, assim como o amor no barco pode levar a Limite (1930), do brasileiro Mário Peixoto; estas referências fílmicas se costuram automaticamente e com singeleza na narrativa de A fera na selva, assim como a captura da atmosfera psíquica e metafísica de alguns excertos de cineastas literários, como o americano James Ivory e o português Manoel de Oliveira.

O andamento cinematográfico de A fera na selva é essencialmente de literatura filmada, não propriamente de teatro filmado, algo impedido pela fluência fotográfica de Escorel. Paulo Betti diz as frases extraídas (ou adaptadas) da novela com dicção sofisticada, embora se travista de alguma poesia acima do rés-do-chão. A história acompanha o processo de envelhecimento das personagens dentro de seu jogo de memória; neste aspecto, Paulo e Eliane exuberam para captar a essência destas duas almas extraviadas no tempo.

Sutil mas sem chegar a ser muito agudo ou profundo, A fera na selva não é uma obra que se imponha voluptuosamente ao espectador. Mas é inegavelmente saudável que duas estrelas da televisão comercial se disponham a fazer um filme que se contrapõe justamente ao estrelismo comercial, em sua linguagem, temática e origens estéticas.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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