Quem eh o Judeu?

O Mundo Moderno e a Quest?o Judaica traz a sempre extraordinaria lucidez do pensador frances Edgar Morin

09/03/2021 14:27 Por Eron Duarte Fagundes
Quem eh o Judeu?

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O que é o judaísmo? Uma religião? Uma etnia? Um estado de opressão? Há uma nação judaica? Que simboliza o estado de Israel para um judeu nascido no Brasil ou na Europa Central? Haveria mesmo uma identidade judaica, mesmo que as civilizações que acolhem o judeu brasileiro ou o judeu europeu sejam tão diversas? O mundo judaico para mim é um grande mistério e as leituras do assunto ajudam a penetrar neste mistério mas não lhe retiram a obscuridade em minha mente.

O mundo moderno e a questão judaica (Le monde moderne et la question juive; 2006) traz a sempre extraordinária lucidez do pensador francês Edgar Morin, escritor de ascendência judaica que, diante dum artigo de 2002 condenando o terrorismo de estado de Israel para com os palestinos, foi acusado de antissemitismo. Morin traz à luz algumas definições de conceitos que podem iluminar a questão. O conceito de antijudaísmo difere do conceito de antissemitismo; o primeiro se refere a uma oposição à religião judaica (daí vem a utilização do termo marrano, que designaria o judeu convertido ao cristianismo); o segundo alude à etnia semita. Todavia, observa Morin, a explosão de ira para com os judeus se exacerbou no mundo árabe e, curiosamente, a origem dos árabes é também semita. Que é, pois, antissemitismo?

Escreveu o escritor gaúcho de origem judaica Moacyr Scliar no início de seu opúsculo A questão judaica (1985): “As primeiras lembranças pertencem, naturalmente, ao terreno do visceral, de modo que é inútil tentar reavê-las. A circuncisão é importante, decerto, e tantas outras cenas da infância, mas lá estão, no fundo do inconsciente, invisíveis a não ser para os olhos da imaginação.” A diáspora talvez tenha dilapidado a unidade da memória judaica, mas quem sabe não logrou eliminar a força dos estilhaços encontrados pelo mundo. O judaísmo é um fato; o semitismo (a remota ascendência) é visceral, como diz Scliar, mas pode ser vislumbrada.

Morin, um analista perspicaz, vê no conceito atual de antissemitismo uma fonte de intolerância; o que foi sob o nazismo uma energia de sublevação à violência racial, hoje em dia muitas vezes se converte em cegueira tão violenta quanto os regimes de força. Para o semita cego, toda crítica a Israel é antissemita. Diz Morin: “Ao delírio de Céline, que via o judeu em todos os lugares, responde o delírio oposto, que vê o antissemitismo em todos os lugares. Esse delírio grotesco é ao mesmo tempo perturbador, porque indica a devastação intelectual feita pela interiorização mental de dois mil anos de humilhações e perseguições.”

No fundo, aduz Morin, para além da questão religiosa e das novas realidades nacionais, o ancestral marca para sempre uma identidade judaica: é o mesmo conceito que vem no texto do gaúcho Scliar. “O vínculo com os ancestrais, a lembrança do passado, a persistência do antijudaísmo antigo e a virulência do antissemitismo moderno impuseram o sentimento de uma singularidade judaica no âmago da identidade pessoal e do pertença à nação. Mesmo laicizados e libertos da Sinagoga, os judeo-gentios tornados cidadãos carregam em sua diversidade a marca de um destino histórico comum. Assim, eles não são exatamente semelhantes aos seus concidadãos gentios.” (Morin).

Sob a aparência de discutir em primeiro plano o universo judaico e suas ligações com o mundo moderno, o que assoma no texto de Morin é uma reflexão sobre o sombrio na violência étnica planetária; é mais uma aguda meditação do pensador sobre a nossa necessidade humana de ultrapassar a barreira desta pré-história do espírito humano que eternamente vivemos. Assim, O mundo moderno e a questão judaica se insere com deslizante penetração no modo de ver o mundo e nas preocupações sociológicas, filosóficas, antropológicas de toda a obra de Edgar Morin.

Se, ao longo do século XX houve um pensador em nome de quem se pudesse cortar os pulsos, para usar duma antiga e estranha expressão, este seria o francês Edgar Morin, a própria residência da reflexão contemporânea no estado lúcido.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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