A Voz Translucida de Murilo Rubiao

A prosa do contista brasileiro Murilo Rubiao eh feita de rigor e simplicidade

08/04/2021 18:36 Por Eron Duarte Fagundes
A Voz Translucida de Murilo Rubiao

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A prosa do contista brasileiro Murilo Rubião é feita de rigor e simplicidade. Isto não impede a estranha complexidade de seus símbolos. Nos contos de sua Obra completa (Companhia das Letras; 2010) ele faz desfilar seu universo único, construído de criaturas que tem um pé na realidade conhecida e uma mão no lado fantástico desta realidade vista pela mente humana (que é uma ficcionista natural).

Vamos deter-nos num conto extraordinário, ou extraordinariamente característico: Teleco, o coelhinho. O narrador encontra este ser curioso, o coelhinho Teleco. E o faz desfilar em suas palavras, pelo verbo preciso de Rubião (Rubião é uma personagem famosa de Machado de Assis, a quem este outro Rubião, o escritor Murilo, deve algumas coisas —ironia, jocosidade, enviesado despojamento, sintaxe muita vez maliciosa). Teleco é um coelhinho, mas transforma-se em outros animais, uma girafa, por exemplo. “Depois de uma convivência maior, descobri que a mania de metamorfosear-se em outros bichos era nele simples desejo de agradar ao próximo.” Teleco simboliza algumas pessoas: quer adaptar-se, ou enturmar-se, as metamorfoses são signos desta busca duma linguagem de adaptação, a linguagem do outro. Os contos de Murilo Rubião tem também esta facilidade adaptativa: estão ao pé de nosso ouvido, ainda que subam um tom por seu estudado refinamento.

Em Petúnia o autor vai navegando pelo rocambolesco singelo (a imaginação é rica e alegórica, as orações são diretas e sem enfeites) dum mundo que abdica do fascínio das maravilhas para tornar as maravilhas o dia-a-dia. “Quando dos pequeninos túmulos, colocados à margem da estrada, saíram os minúsculos titeus, nada mais pertencia a Éolo. Cacilda se assenhoreara do seu talento, das suas recordações. Proibira-lhe visitar os jazigos das meninas, levar-lhes copos-de-leite, azáleas. Vedou-lhe o jardim, tomou-lhe o binóculo. E que apareceram os timóteos, umas flores alegres, eméritos dançarinos. Divertiam as miúdas. Petúnia, brincando de roda, ensinando-lhes a dança, despindo-se das pétalas. A sua nudez aborrecia Cacilda. Sem produto, Éolo aguardava as begônias, naquele ano ausentes.”

Há, em todos os passos linguísticos de Murilo Rubião, esta vaga sensação de algo que se esconde atrás do que está escrito: a despeito da extrema objetividade de suas frases. “Diante do espelho da saleta tentou ainda lembrar-se de algo momentaneamente esquecido.” Está no parágrafo final da história de Os comensais. É como o leitor diante deste autor mineiro: onde está essa situação que por um momento releguei e agora algum espelho na linguagem me traz de volta? O jogo sutil das coisas que se fecham em si mesmas.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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