Um Encontro Com o Inicio de Khouri
Desde seus primeiros passos, Khouri faz um cinema de grande engenho formal


No começo de Estranho encontro (1958), o segundo filme dirigido por Walter Hugo Khouri, uma mulher se joga na frente de um carro, no meio da noite, o motorista freia e a faz subir no veículo. É uma alusão ao início de um filme americano feito anos antes: A morte num beijo (1955), de Robert Aldrich. Mas os aspectos de filme noir da narrativa de Khouri são superficiais e vagos; Estranho encontro mais parece beber no expressionismo europeu via o cinema de interioridade do plano cinematográfico ao modo do sueco Ingmar Bergman.
Desde seus primeiros passos, Khouri faz um cinema de grande engenho formal. Seus enquadramentos têm uma plástica que induz a um efeito atmosférico de luz e sombra, os toques fantásticos surgem da inserção de mistérios temáticos ingênuos é certo mas funcionais dentro da linguagem cinematográfica de Khouri. A utilização de filmagens em espelhos tanto serve a compor uma alma enviesada para as personagens quanto a acentuar a estranheza misteriosa em que a encenação de Khouri está constantemente mergulhada.
Alguns críticos do calor da hora, como Paulo Emilio Sales Gomes e Francisco Luiz de Almeida Salles, sublinhando a excelência de várias sequências de Estranho encontro, foram severos com os diálogos construídos por Khouri, queixando-se das trivialidades e repetições das falas das personagens. Hoje esta assertiva dos antigos analistas parece defasada. Os diálogos de Khouri carregam essa banalidade, sim, mas é uma banalidade que lhes dá espontaneidade; as reiterações são as mesmas de tantos filmes europeus nos quais costumamos ver significados estéticos neste procedimento. Não parece hoje que Estranho encontro tenha pobreza de diálogos; estes são na verdade funcionais. Demais, a atmosfera em Khouri vem mais de seus procedimentos de câmara e montagem.
Estranho encontro vai montando, sutilmente, um triângulo amoroso e misterioso e secretamente sombrio. Marcos quase atropela Júlia e a leva para uma casa onde tem um compromisso; esta casa é de Wanda, a amante de Marcos, rica e de quem ele já está enfadado. Júlia teria fugido de seu marido, aleijado e neurótico, Hugo; num jornal se lê a notícia de que Hugo diz que ela tem problemas mentais (em A morte num beijo a mulher é foragida dum manicômio); ao correr de Estranho encontro se descobre que Júlia não é demente; Wanda acaba facilitando o amor de seu amante com Júlia, e expulsa Hugo; é bem verdade que Wanda sofre, debruçando-se (ou atirando-se) num plano final na escada de sua casa, em prantos.
Sem os conflitos dramáticos mais perversos que ele desenvolveria nas entediadas criaturas de Noite vazia (1964); mais solto e fácil em sua textura, ainda que busque um mistério que no fim se revela simplório demais, Estranho encontro mantém, tantas décadas depois, sua capacidade de fascinar o espectador, graças à particular sensibilidade visual dum diretor como Walter Hugo Khouri.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)


Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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