A Hipnose Cinematografica
A metamorfose dos passaros recorre as vezes ao voo dos passaros para se libertar


Fazia tempo que não se podia deparar com um estado visual tão hipnótico quanto este que o espectador encontra em A metamorfose dos pássaros (2020), da portuguesa Catarina Vasconcelos. A estrutura formal desta realização lusa pode evocar, de maneira vaga é verdade, certos filmes mais antigos do americano Terrence Malick, especialmente Terra de ninguém (1973); a hipnose de filmar de que se vale Catarina está mais para a intensidade plástica de Malick que para os delírios cubistas do alemão Werner Herzog em Coração de cristal (1976). Em A metamorfose dos pássaros a fotografia de Paulo Menezes é construída como uma sucessão de pinturas, uma estaticidade do olhar às vezes extasiante; além do elemento pictórico exacerbado, a utilização constante da voz off para dialogar com a narrativa em imagens aproxima o cinema de Catarina daquele que Malick começou a edificar na América nos anos 70.
Mas, muito à distância dos que plagiam, A metamorfose dos pássaros põe na tela um caminho único, pessoal de filmar. Em parte um documentário em torno da própria família da cineasta (um pouco à maneira da brasileira Petra Costa em seus filmes, ressalvadas as profundas diferenças de concepção estética de uma realizadora e outra), noutra parte um ensaio antropológico sobre um grupo humano de notável força poético-cinematográfica, pode-se dizer que A metamorfose dos pássaros atinge o primeiro andar do cinema nos dias de hoje.
Um olhar sobre a velhice (a primeira imagem é o rosto duma personagem enrugada pelos anos, num fechado primeiro plano; as primeiras palavras evocam por um homem velho o amor duma mulher falecida, esta evocação vai aos dias de juventude deles, "um homem e uma mulher”, Beatriz falada por Henrique), uma meditação sobre o amor e o tempo, A metamorfose dos pássaros recorre às vezes ao voo dos pássaros para se libertar. E às vezes, ao mar. Até a uma citação literária, recitada de trechos do início do romance Moby Dick (1851), de Herman Melville. A aventura familiar proposta por Catarina Vasconcelos puxa para espaços criativos bastante largos esta sua aventura fílmica.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)


Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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