Os Donos do Mundo
O Documentário O Dia Que Durou 21 Dias brinda o cinema brasileiro com uma reflexão fundamental
Sabemos todos: os Estados Unidos agem como o dono do mundo. A sociedade americana, hoje em dia bem mais que a europeia, procura impor aos outros povos seus modismos. O cinema americano da grande indústria age majoritariamente sobre as pequenas cinematografias. Historicamente, seja em que governo for, os americanos metem o bedelho em tudo: no Vietnã e no Oriente Médio, não há cultura no planeta que não sofra seu poder de devassar. Sua ação sobre as ditaduras latino-americanas sempre foi murmurada à boca pequena, e tratada mais como fantasia do que algo concretamente político.
Agora, no caso brasileiro, surge o documentário O dia que durou 21 anos (2011), dirigido por Camilo Tavares, para lançar luzes concretas sobre o tema. Contando com material de arquivo e investindo fortemente em entrevistas (todas elas coordenadas pelo jornalista Flávio Tavares, pai de Camilo e um dos melhores cérebros que se têm dedicado, em livros, em anos recentes, a passar a limpo o passado brasileiro dos anos de chumbo), o filme junta documentos audiovisuais que comprovam a forma direta como a “inteligência americana” produziu o golpe de 1964 no Brasil, assim como faria em 1973 no Chile; depois de perder Cuba para o comunismo, o presidente americano John F. Kennedy demonstrou a preocupação com os rumos do grande irmão sul-americano consoante a cabeça de João Goulart e autorizou o embaixador americano no Brasil, Lincoln Gordon, a articular mecanismos de ativação do golpe de direita de 1964 e inclusive mecanismos de combate a uma possível resistência popular e militar ao golpe; estas coisas Camilo e Flávio documentam, com rigor e paixão admiráveis, no filme.
Segundo Flávio, O dia que durou 21 anos nasceu da necessidade de seu filho Camilo de descobrir seu próprio passado, o motivo pelo qual nasceu no México, no exílio, e não no Brasil, terra de seus ascendentes. Pensado assim, o documentário poderia ser uma forte explosão íntima, como Diário de uma busca (2010), de Flávia Castro, onde o diretor topa o passado político de seu pai, já morto. Mas é a atuação do próprio Flávio no filme do filho (fornecendo material, criando entrevista) e o estímulo de descobertas históricas desta atuação que tornam O dia que durou 21 anos em algo, politicamente, tão objetivo quanto transcendente: transcende das histórias particulares de Camilo e Flávio para ser um recorte crítico da sociedade brasileira. Quem leu os livros de Flávio, pode ver no filme uma extensão de sua literatura. Quem curte cinema, pode compreender a inteligência de um diretor que, valendo-se de sua história familiar, brinda o cinema brasileiro com uma reflexão fundamental.
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br