Pollack: Suntuoso e Esvaziado
Sydney Pollack, um cineasta incrustado nos grandes est?dios americanos, sempre fez narrativas cinematograficas de feicao padronizada
Sydney Pollack, um cineasta incrustado nos grandes estúdios americanos, sempre fez narrativas cinematográficas de feição padronizada, onde a busca do espetáculo de fácil comunicação com o público de sua época fazia a mão pesar na hora de expor sua criatividade cinematográfica. Entre dois amores (Out of Africa; 1985) é ainda hoje um de seus filmes mais celebrados pelos que têm afeição por seu cinema. Partindo da suntuosa fotografia do inglês David Watkin (que reitera o esplendor de plasticidade bonita e sem grande senso dramático que fizera para Hugh Hudson em Carruagens de fogo, 1981) e amparado em autobiografias romanceadas que a escritora dinamarquesa Isak Dinesen (pseudônimo da baronesa Karen Blixen) escreveu nas primeiras décadas do século XX, Pollack exercita uma opulência visual, caprichando em sua visão do exotismo dos cenários africanos, de que seu cinema não se aproximaria nunca, nem antes nem depois. O filme anterior do diretor, o extraordinário Tootsie (1982), propunha uma irreverência crítica que, vá lá, não desdenhava o entretenimento; em Entre dois amores Pollack vai por outro caminho, mais próximo das características do melodrama vistas em Nosso amor de ontem (1973). Em seu filme africano o cineasta resgata sua estrela da história dos anos 70, o simpático, correto, de belas feições ator Robert Redford. Redford é mais um astro de Hollywood que um intérprete de força dramática, de nuanças cênicas; mais maduro que no filme que contracenou com Barbra Streisand, o ator dá sua contribuição às facilidades requeridas por Pollack. A seu lado, Pollack investe numa atriz então em alta, desde o fim dos anos 70 com O franco atirador (1979), de Michael Cimino, e tendo atingido seu ápice em A mulher do tenente francês (1981), de Karel Reisz; Meryl Streep, esta sim uma intérprete de densidade dramática, que aqui se esforça por equilibrar-se entre suas possibilidades diante das câmaras e o lado de submersão nas belas imagens do fotógrafo Watkin. O terceiro polo das interpretações é dado pelo ator austríaco Klaus Maria Brandauer, que depois do sucesso de Mephisto (1981), a obra-prima do húngaro István Szabó, adquiriu uma efêmera projeção internacional.
A narrativa de Pollack, utilizando a voz-over duma Karen já velha, no ocaso mesmo de sua vida, acompanha a aventura africana da escritora. Mas a África exótica de Pollack é esvaziada de seus significados antropológicos. O que vai ocupar mesmo o espírito do filme é aquilo que o título brasileiro anuncia: Karen entre seus dois amores, o marido ausente constantemente (Brandauer/Bror) e uma nova paixão descoberta em solo africano (Redford/Denys). E neste jogo melodramático da encenação pouca coisa se salvará da opulência vazia das imagens que o espectador acompanha sem percalços mas também sem o êxtase pretendido desde a elaboração fotográfica até os cuidados da direção de atores.
Resta ainda observar que a personagem da autora dinamarquesa trazida por Pollack e Meryl difere bastante daquela que o diretor dinamarquês Billy August e sua atriz (dinamarquesa) Birthe Neumann surpreenderam na velhice da escritora em O pacto (2021). Embora nos dois casos extraídas da mesma figura real, são outras personagens: a de Meryl é tão doce quanto insegura; a de Birthe, amarga e perversa. Certo: certas coisas na velhice alteram mesmo os seres humanos. Mas neste caso específico fica difícil vislumbrar uma na outra: em nenhum gesto que possa evocar.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br