O Cubismo Cinematografico
Para quem ama o cinema, o Ludwig de Visconti e o Ludwig de Syberberg se complementam em suas diferencas
O alemão Hans-Jürgen Syberberg não filma pelo senso comum. A estaticidade matemática de suas narrativas aproximam seu cinema duma espécie de demência estética: não turbulenta; calculada. Ludwig, réquiem para um rei virgem (Requiem für einen jungfräulichen König; 1972), rodado praticamente ao mesmo tempo que a biografia de Luís II da Baviera (mais famosa) feita pelo italiano Luchino Visconti, é um evento do cubismo cinematográfico. Syberberg filma delírios com sua câmara, compõe um ritmo e um pesadelo, transforma seus atores em recitadores distanciados, vale-se dos dados biográficos mas os converte em esboços estéticos eternamente abertos à invenção, à provocação.
As questões políticas e históricas e a inapetência sexual de Ludwig II da Baviera são expostas na tela com rigor ritualístico, especialmente a partir de algumas mulheres que falam desdramaticamente para a câmara, mulheres ditas feiticeiras do reino, como as vividas por Ingrid Caven (que também interpreta Lola Montez), que abre o filme evocando o surgimento de Ludwig II, o herdeiro real do amante de Lola, Ludwig I, que é avô de Ludwig II, e ela vive igualmente Cosima Wagner, Hanna Köhler (que é Sissi) e Ursula Strätz (que é também Bulyowski). As liberdades formais e históricas de Syberberg avançam tanto que vemos Hitler dançando rumba.
Os planos são muito pictóricos, carregados de símbolos visuais e sonoros, tudo parece abdicar do movimento cinematográfico; assim, chama a atenção o movimento mais intenso e extenso do filme, um travelling-para-a-frente numa estrada nevada. Em Ludwig, réquiem para um rei virgem a questão cinematográfica é esta: como fazer da vida de uma personagem um ritual de imagens que se aproxima de um certo hieratismo religioso. No entanto, apesar destes conceitos, situado à distância das formas de rito do cinema oriental, Sayat Nova (1969), do russo Sergei Paradjanov, ou Gabbeh (1995), do iraniano Moshen Makhmalbaf. O lento plano-sequência fixo em que Ludwig parece incendiar-se em suas próprias imagens, o cinema chegando mesmo às raias da pintura cubista, talvez seja o ponto alto das intenções de Ludwig, réquiem para um rei virgem.
Para quem ama o cinema, o Ludwig de Visconti e o Ludwig de Syberberg se complementam em suas diferenças. E a Lola Montez visualmente devoradora de Ingrid Caven se opõe à frieza desajeitada de Martine Carol no filme de Ophüls, que era alemão como Syberberg mas os franceses o têm por seu, com algumas razões. Quando Lola irrompe em Syberberg para anunciar o nascimento de Ludwig II, algo do filme de Ophüls nos ressurge. Precisa-se interligar os fios destas três obras-primas.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br