Navegar Entre as Palavras: Equacao Diferencial

A Equaco Diferencial Ordinaria nem sempre indica as condicoes ideais para se navegar entre as palavras

07/01/2025 02:01 Por Eron Duarte Fagundes
Navegar Entre as Palavras: Equacao Diferencial

Imagem: DivulgacaoInternet

tamanho da fonte | Diminuir Aumentar

 

A madureza do texto de Natalia Borges Polesso está inteira nos contos de Condições ideais de navegação para iniciantes (2024). Depois de Amora (2016) o conto brasileiro recria um certo cotidiano brasileiro à maneira de Natalia, com sua autenticidade, com sua verve de linguagem que encanta o leitor pelas medidas com que vai dispondo imagens e sintaxes em sua prosa. O prosaísmo (seria?) de Natalia tem suas particularidades e parece atravessar o que seria a carne das palavras; já não é prosaísmo, porque tem outros dados, da contemporaneidade de observar do século XXI.

A vida é uma equação diferencial ordinária é um conto que começa com a morte da avó: num telefonema da mãe. Lembra a última vez em que viu a avó, no hospital. Dali salta para outra memória, uma sequência à visita hospitalar à avó, quando foi para casa e dormiu, então uma memória cola-se na outra, vem a memória de seu cotidiano, o cotidiano da personagem. E Natalia faz melhor que ninguém a evocação deste cotidiano de sua criatura, seus afazeres e atmosfera destes afazeres.

“Então fui pra casa, fiz o chá e dormi. Dormi bem. Dormi macio. Não sei dizer se foi o chá ou o cansaço. Eu tinha um trabalho monótono e exaustivo na área comercial de uma gráfica. Acordava às cinco e quarenta da manhã para chegar lá às sete e quinze e sair às cinco e quinze da tarde: atendimento ao público, suporte, secretariado, administração, organização, carregamento de caixas pesadas, preparo de café, limpeza... não sei dizer qual era o meu cargo naquela empresa familiar, que iria à falência nos anos seguintes. Eu saía de lá direto pra aula à noite, chegava em casa em torno das onze e só conseguia dormir perto das duas da manhã. Não sobrava muito tempo para um sono profundo, era quebrado. Nos finais de semana, às vezes eu trabalhava de garçonete num bar e cheirava só para conseguir me manter atenta e falante com todo aquele pessoal que queria tomar uma bebida, comer um negocinho e se divertir. Foi lá que conheci a Bia.”

A morte da avó e a sala de aula. Viver e as teorias do mundo escolar. Como aplicar, por exemplo, a frieza da matemática ao comportamento da personagem? “Equações diferenciais ordinárias. Isso, sim, era um bom nome para o que eu sentia. Uma equação é uma igualdade. Na verdade, a gente já tem o resultado, o que vem depois do igual, mas a gente tem de descobrir o pedaço incógnito e os derivados para chegar lá. Qual é a função incógnita na minha vida? O que eu tenho que descobrir ainda? Essa névoa em tudo...”

Da morte da avó, o conto vai terminar num jogo de xadrez. Entre uma ação e outra das personagens, as peças se movem. “Ainda que extremamente menstruada, assombrada, enlutada, fracassada, ainda que duvidando da vida.”

A equação diferencial ordinária nem sempre indica as condições ideais para se navegar entre as palavras. Natalia vai buscar estas condições em outras paragens, ainda que não se perca das iluminações matemáticas. Em Condições ideais de navegação para iniciantes, o conto que dá título ao volume, as frases iniciais simulam esta dificuldade de topar as condições ideais. “Meu primeiro contato com o mar foi aos cinco anos, vivi por muito tempo no interior, num lugar que há mais inverno do que verão, e isso quer dizer alguma coisa, porque isso faz alguma coisa na gente, elabora nossa temperatura, nosso desejo e repulsa no mundo.”

Repulsa no mundo, ou suas estranhezas. Como na trama de As gêmeas lentas. Francisca conhece a atendente da loja Sílvia, que tem uma irmã gêmea que não aparece. Vai assistir à peça As gêmeas lentas, onde conhece uma atriz, também de nome Sílvia. Num bar, Francisca vai encontrar-se com as duas Sílvias. Não são nada entre si as Sílvias. Mas na palavra escrita é como se fossem gêmeas, as Sílvias. “No sonho, já não tinha noção de seu corpo nem dos corpos das Sílvias.” As criaturas ali nas páginas mágicas de Natalia acoplam-se. Estranho mundo de repulsas. Entre equações diferenciais ordinárias.

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

Linha
tamanho da fonte | Diminuir Aumentar
Linha

Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

Linha
Todas as máterias

Efetue seu login

O DVDMagazine mantém você conectado aos seus amigos e atualizado sobre tudo o que acontece com eles. Compartilhe, comente e convide seus amigos!

E-mail
Senha
Esqueceu sua senha?

Não é cadastrado?

Bem vindo ao DVDMagazine. Ao se cadastrar você pode compartilhar suas preferências, comentar ou convidar seus amigos para te "assistir". Cadastre-se já!

Nome Completo
Sexo
Data de Nascimento
E-mail
Senha
Confirme sua Senha
Aceito os Termos de Cadastro