Um Gênio Que Se Apagou
O cinema de Alain Tanner foi um dos mais apreciados por aqueles que se dispunham a entrar numa sala de cinema para pensar


Nos anos 70 e 80 do século passado o cinema do suíço Alain Tanner foi um dos mais apreciados por aqueles que se dispunham a entrar numa sala de cinema para pensar. Hoje ele está esquecido e os filmes dele que apareceram por aqui a partir dos anos 90 (poucos) eram curiosos mas não autorizavam a admiração da memória de seus filmes das décadas anteriores. (Isto também aconteceu com o cinema do espanhol Carlos Saura: uma genialidade soterrada ainda em vida).
Mas quem se aventurar a ver ou rever suas obras mais antigas vai descobrir um Tanner que nada fica a dever aos melhores cineastas do mundo. É o caso de Os anos luz (Les années lumière; 1981), prêmio de direção cinematográfica do Festival de Cinema de Cannes de 1981; baseado num romance desconhecido de Daniel Odier e com uma fotografia semiimpressionista de Jean François Robin (um colorido desmaiado e desbotado que tende a uma inesperada sofisticação), Os anos luz se ambienta numa paisagem do deserto irlandês onde convivem um jovem que parece atender num desabitado posto de gasolina e um velho com jeito de professor que dá as primeiras lições intelectuais ao rapaz e também aprimora um jeito de adquirir o poder de voar observando os pássaros (o velho logra chegar a pássaro, mas o final da experiência é mortal). Árido, lento, quase vazio de intenções subsequentes, Os anos luz, apesar do sucesso europeu em seu tempo e do acolhimento por aqui de Jonas que terá 25 anos no ano 2000 (1976), passou à margem dos circuitos comerciais brasileiros e é uma lacuna irreparável para quem pretende conhecer o melhor cinema da década de 80.
A primeira intriga alegórica de Os anos luz é o nome do protagonista, o jovem Jonas. Seria Os anos luz a continuação da reflexão de Jonas que terá 25 anos 2000? Os anos luz se situa num tempo indefinido: pode-se imaginar um ano 2000 abstrato, quase sem nada, Jonas cresceu e não é nada daquilo que seus mentores do filme dos anos 70 projetavam. Mas Os anos luz não é esta continuação. É uma nova investida simbólica de Tanner sobre a sociedade que então um pensador do cinema podia ver.
A obsessão do velho por voar pode lembrar o que fez o espanhol Carlos Saura com uma personagem de Mamãe faz cem anos (1979). Há mais sisudez em Tanner. Há um sarcasmo hispânico em Saura. No início de Os anos luz o velho sublinha algumas linhas de um livro; gesto intelectual semelhante àquele do professor de Elisa, vida minha (1977), de Saura. Seriam fissuras de linguagem comuns a um certo cinema da época, pertenceriam a algum inconsciente do cinema de então? Voar, ler, anotar. O real é que a visão de Os anos luz repõe diante do observador a extrema grandeza de um artista como Alain Tanner.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)


Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro Uma vida nos cinemas, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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