É inevitável na vida de um cinéfilo associar sons, ângulos de câmera e até cores a um diretor. Os grandes, em especial, costumam não fazer cerimônia para imprimir suas digitais no celuloide. Um deles é John Ford. Ator no início da vida artística, as lendas em torno de sua figura inconfundível incluíam um humor volúvel e uma certa impaciência com os atores. Em Caravana de Bravos, filme de 1950, a lenda mudou. Ou foi, no mínimo, amenizada.

A dupla Ben Johnson e Harry Carey Jr. protagonizam o longa-metragem no papel de vendedores de cavalos que acabam servindo de guias de um grupo de famílias mórmons durante sua travessia pelo velho oeste em busca de terra fértil para iniciarem uma nova vida. Como líder dos devotos temos Ward Bond, um dos atores que Ford sempre requisitava para interpretar coadjuvantes de impacto (como esquecer o Reverendo Samuel Clayton de Rastros de Ódio?). Para dividir a cena com o trio masculino, a linda Joanne Dru.

Astros à parte, Caravana de Bravos e um filme de belos planos. Não tem a grandiosidade poética do já citado Rastros de Ódio ou a ação frenética de No Tempo das Diligências, mas o longo caminho percorrido pelos personagens é apresentado sem pressa e com atenção aos detalhes. O roteiro simples e inteligente, assinado por Patrick Ford (filho de John) e Frank Nugent, fica em segundo plano. Temos a impressão que Ford preparou cada cena como um convite para o espectador observar a vastidão do Monument Valley, sua locação preferida. A caravana cruzando o rio depois de dias de água racionada, é de encher os olhos. Sem efeitos especiais, sem filtros, apenas a câmera, paciente, mirando seu olhar para cavalos se refrescando e carroças que seguem, desengonçadas, pela estrada molhada. Parece pouco para quem cresceu com fome de explosões e que precisa que muitas coisas aconteçam para considerar uma cena “grande”. Ford não está nem aí para vocês, crianças. Ele é de outro tempo, um tempo onde se reparava nos detalhes, no fluxo das vidas, que corre mesmo na calmaria.

A preferência de Ford por atores que conheciam a vida no interior é muito mais que um charme. Ele sabia que um ator que sabe cavalgar sempre será mais verdadeiro na tela do que um galã que precisa de um bom montador para enganar a plateia. Ben Johnson sobe em seu cavalo com uma destreza que corte nenhum conseguiria reproduzir. Seus gestos de cowboy são genuínos, assim como a simplicidade com ares juvenis de Harry Carey Jr. Acreditamos em seus poucos diálogos. Sim, pois prosa longa não agradava o velho Ford. Com currículo de quem começou no cinema mudo, seu objetivo é sempre contar suas histórias por meio de imagens. O verbo é detalhe.

Caravana de Bravos, lançado dentro do box Cinema Faroeste Vol. 2, da Versátil Home Video, não costuma integrar listas de grandes westerns, apesar de ser exaltado e comentado nos extras do DVD pelo cineasta Peter Bogdanovich. Talvez porque ele seja mais que um simples western. É aula de cinema, que vale até para quem nem sonha em se aproximar de uma câmera. Aprender a contar histórias nunca é demais.