O Improvisado Rigor

O romancista argentino Adolfo Bioy Casares tem o domínio das circunstâncias da narrativa literária. O sonho dos heróis (El sueño de los heroes; 1954) é um exemplar elevado destes domínios

11/11/2016 21:48 Por Eron Duarte Fagundes
O Improvisado Rigor

Diante do mausoléu de Adolfo Bioy Casares

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O romancista argentino Adolfo Bioy Casares tem o domínio das circunstâncias da narrativa literária. O sonho dos heróis (El sueño de los heroes; 1954) é um exemplar elevado destes domínios de Bioy Casares, cuja culminação talvez tenha sido A invenção de Morel (1940), que é um romance precursor das relações da literatura contemporânea com a imagem especialmente com as imagens em movimento e o cinema. O sonho dos heróis não chega a ser imagem em movimento, mas simula sua contemporaneidade na utilização dum improvisado rigor característico de Bioy Casares.

O que se plasma em O sonho dos heróis desde os parágrafos iniciais é a naturalidade da prosa do ficcionista, ele escreve com o jeito de quem está falando diretamente para o público; porém não há nesta prosa desleixo sintático nem descuidos orgânicos das orações, surgem as facilidades da improvisação nos interstícios libertários do rigor de construção estabelecido por Bioy Casares. Um clima platino, louco e delirante, não abastarda a precisão estilística de Casares, cujo parentesco (nunca simiesco porém) com o escritor norte-americano Henry James se salienta; são cérebros literários aproximativos mas que têm seus pontos divergentes muito fortes.

Emilio Gauna é o protagonista de O sonho dos heróis. Suas lembranças do carnaval de 1927 marcam toda a narrativa do romance. Tudo o que aconteceu depois daquele carnaval (que sedimenta a forma do fantástico no romance) é uma preparação para a morte “gloriosa” (?) de Gauna três anos depois, no carnaval de 1930. “Já em 27 Gauna entrevira o outro lado. Recordou-o fantasticamente: só assim é possível recordar a própria morte.”

Como em todos os romances de terceira pessoa que na verdade têm o espírito de primeira pessoa, O sonho dos heróis tem uma só autêntica personagem, apresenta somente a visão desta personagem, revelada especialmente pelo uso introspectivo do discurso indireto livre; as demais criaturas são simples sombras desta criatura pintada de maneira admirável. Como num sonho: o sonhador é narrador e personagem únicos. Assim, O sonho dos heróis, a despeito de sua linguagem realista, minuciosamente realista, é um romance do fantástico, como o impagável A invenção de Morel.

P.S.: Os restos mortais do ficcionista estão sepultados no famoso cemitério de La Recoleta, em Buenos Aires. Já visitei por duas vezes o túmulo de Bioy Casares.

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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