Paixão e Rigor Sob a Magia do Cinema

Paixão e Rigor Sob a Magia do Cinema

03/09/2018 00:57 Da Redação
Paixão e Rigor Sob a Magia do Cinema

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Ao cineasta português Manoel de Oliveira costuma fascinar a figura do escritor patrício Camilo Castelo Branco. Ele não poderia deixar de fazer um filme dedicado à perturbadora vida de Camilo. Este filme é O dia do desespero (1992), cujo centro climático é o suicídio do romancista lusitano, logo depois que uma consulta domiciliar de seu oftalmologista lhe revelou a extensão duradoura da cegueira do autor de Amor de perdição (1862); o suicídio de Camilo ocorre cerca de dez minutos antes do fim da narrativa, que se compõe de cartas escritas por Camilo a familiares e amigos, trechos lidos de Amor de perdição, um texto documental de Oliveira lido desdramaticamente pelos intérpretes, algo muito próximo daquilo que o cineasta francês Robert Bresson chamava modelos (movimento de fora para dentro, enquanto os atores  exercem o movimento de dentro para fora); o suicídio de Camilo, segundo o filme de Oliveira, parece ser o centro e não o extremo final de uma vida, pois tudo em Camilo se endereçava desesperadamente, desde a juventude, para este auto-encontro com a morte.

A primeira imagem de O dia do desespero é um retrato pintado de Camilo, um insistente plano fixo (dourado e sombrio) sobre este ser humano tumultuado, de gênio espicaçado. Os dez minutos seguintes são um longo plano-sequência, em primeiro plano, da roda duma carruagem, uma imagem única, monocórdia, onde Oliveira faz a redução do cinema e joga sobre este visual interminável os textos das cartas de Camilo a uma filha. Oliveira abdica de contar por encenação direta a história da tragédia de Camilo. Ele faz com que seus atores, ou modelos, Mário Barroso e Teresa Madruga, se dirijam para a câmara/espectador dizendo que interpretarão Camilo e sua amante Ana Plácido, porém nunca chegam a interpretá-los inteiramente, passam o tempo inteiro a aludir às coisas da vida de Camilo como se a narrativa dita (uma reflexão documental) substituísse a ação dramática, o dizer reflexivo retira a função da ação fílmica, Oliveira radicaliza os processos narrativos do dramaturgo alemão Bertold Brecht e do cineasta francês Jean-Luc Godard, ele radicaliza a própria utilização dos modelos interpretativos de Bresson.

O rigor, o despojamento, a ausência de facilidades não impedem que O dia do desespero exale a paixão, o fascínio de uma trajetória humana. O universo de Camilo é certamente muito amado pelo cinema de Oliveira. Basta lembrar que ele filmou Amor de perdição (1978). E que em Francisca (1981) aparece Camilo como uma personagem secundária mas reveladora (por ser o olhar de um escritor, isto é, um observador) das tensões e contradições da sociedade lusa. É mesmo esta tragédia portuguesa que ilumina os inspirados bafejos estéticos de O dia do desespero.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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