O Feriado em Que Fizemos Contato
Os personagens de Refém da paixão, assim como na vida real, não são uma coisa só. Não há espaço para a simplicidade
O Feriado em Que Fizemos Contato
Hollywood, Walt Disney, a novela dos oito e até o comercial de margarina insistem em nos vender a ideia do romance que começa mágico, segue encantado e doutrina que a frase “felizes para sempre” é um ultimato. Após a conquista, tudo será o tal mar de rosas do qual tantos falam e nenhum vive. Nenhum mesmo. Isso não é pessimismo, mas uma constatação que qualquer ser humano com mais de uma paixão na vida chega sem grande divagação. Não é possível viver um conto de fadas. Porém, saber que nem tudo será doce num relacionamento não deve ser motivo para interromper nossa entrega para com o outro ou mesmo desfrutar de alguns momentos que nos tiram da realidade. Aqueles segundos que a gente vai lembrar para sempre. Refém da paixão, título de novela mexicana escolhido para a distribuição brasileira de Labor Day, no original, é sobre estes segundos, minutos talvez, em que somos tomados pelo desejo. Mas essa é apenas uma das faces deste filme de Jason Reitman, que assina o roteiro e presenteia o público com a melhor direção de sua carreira.
A história, baseada no livro Fim de verão, da escritora e atriz americana Joyce Maynard, envolve o adolescente Henry (Gattlin Griffith) e sua melancólica mãe Adele (Kate Winslet). Ambos vivem sozinhos, no final dos anos 80, numa casa caindo aos pedaços da qual só saem para fazerem as compras do mês. Sabemos, já de entrada, que o pai de Henry formou outra família e que isso parece ter abalado Adele em níveis bem mais profundos que uma simples separação. O corte na onda de tristeza chega em forma de um fugitivo, Frank (Josh Brolin), que pede abrigo para mãe e filho. Nasce um thriller? Não, nasce uma família. Pelo menos durante o feriado prolongado no qual o filme se passa. Frank, Adele e Henry, apesar das poucas horas de contato, parecem terem vivido uma história inteira juntos.
É isso que a primeira camada nos apresenta. Os personagens de Refém da paixão, assim como na vida real, não são uma coisa só. Não há espaço para a simplicidade. Nossos medos se escondem, aparecem quando não devem, são esquecidos por anos para renascerem até mais fortes. Frank, que é de início ameaçador, traz algo novo para a casa, e não apenas por consertar janelas e preparar tortas, mas por fazer brotar em Adele novamente o desejo. É com sutileza que isso é mostrado, deixando claro que Reitman acredita que é no toque discreto, mas dotado de significado, que nasce a paixão. Henry é o narrador do romance, que para ele funciona como uma libertação, já que uma de suas funções era cuidar da mãe, nas palavras do próprio, “como o que ele entendia ser um marido”. É abordando essa temática que o filme de Reitman nos conquista. Pena que dure apenas na primeira parte da história.
Refém da paixão, após quase quarenta minutos de cenas lindamente fotografadas em tons amarelados por Eric Steelberg, colaborador constante de Reitman, onde os atores aparecem constantemente suados em função do verão americano, com o perdão do trocadilho, desidrata e envereda por um caminho clichê. Os corpos em ebulição, especialmente os de Adele e Frank, preparam-se para a fuga e o espectador, por consequência, para o ápice da trama. É quando a câmera foca nos conflitos amorosos de Henry, envolvido com uma colega de escola (Brighid Fleming) que, apesar da mesma idade, demonstra ser muito mais madura que ele. Vale ressaltar que Gattlin Griffith é o mais fraco do elenco, e isso fica ainda mais claro quando Fleming entra em cena para roubar o coração de Henry e também a simpatia do público. Winslet e Brolin, numa química incrível, acabam mal aproveitados nas cenas finais, muito em função do excesso de flashbacks explicativos sobre o passado de seus personagens. O que era para ser um filme merecedor da palavra paixão no título nacional se encaminha para um drama familiar como muitos já existentes.
O final decepcionante não azeda por completo Refém da Paixão. Sua introdução é das mais elegantes e bem conduzidas dos últimos tempos, apesar de Reitman não ter fama de autor ou mesmo de exímio diretor de atores. Óbvio que o talento de Kate Winslet colabora para que o resultado seja contagiante, mas não podemos negar que aquela casa no meio do mato, um tanto destruída pelo tempo, nos abriga com aconchego mesmo antes da chegada de Frank e seus gestos paternais. É a câmera a responsável por esta acolhida. Por isso e pela sedução mostrada em detalhes já vale uma sessão. Quando vivemos num mundo onde tudo precisa ser mostrado para parecer verdadeiro, espiar pela fresta da porta torna-se um luxo que o cinema sabe explorar como ninguém.
Sobre o Colunista:
Bianca Zasso
Bianca Zasso é jornalista e especialista em cinema formada pelo Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Durante cinco anos foi figura ativa do projeto Cineclube Unifra. Com diversas publicações, participou da obra Uma história a cada filme (UFSM, vol. 4). Ama cinema desde que se entende por gente, mas foi a partir do final de 2008 que transformou essa paixão em tema de suas pesquisas. Na academia, seu foco é o cinema oriental, com ênfase na obra do cineasta Akira Kurosawa, e o cinema independente americano, analisando as questões fílmicas e antropológicas que envolveram a parceria entre o diretor John Cassavetes e sua esposa, a atriz Gena Rowlands. Como crítica de cinema seu trabalho se expande sobre boa parte da Sétima Arte.