A Travessura Literária em Llosa
Talvez Travessuras da menina má não chegue ter o sopro renovador de Conversa na catedral ou A guerra do fim do mundo (1981); mas ainda mantém viva a chama da literatura de Llosa
Travessuras da menina má (2006) é uma travessura literária escrita com graça e agudo senso de observação histórica e humana pelo ficcionista peruano Mario Vargas Llosa. É um divertimento narrativo típico de Llosa, mas tem um olho no passado de engajamento social e político do autor. Faz rir mas obriga ao pensamento. Os últimos labores clássicos da arte de narrar em palavras estão em Llosa, um pessoal e imbatível discípulo do escritor francês Gustave Flaubert; mas Llosa sabe o momento certo de amenizar o excessivo rigor linguístico de Flaubert e permitir a descontração do leitor.
No início de Conversa na catedral (1969) a personagem de um homem se pergunta em que momento o Peru tinha se fodido. É o grito de revolta de um homem latino-americano cercado de miséria por todos os lados no coração dos anos 60 do século passado. Na primeira frase de Travessuras da menina má o narrador em primeira revela: “Foi um verão fabuloso.” Daí para a frente é a fábula narrativa de Llosa que se impõe. Ao longo do livro, duas coisas correm paralelas: a suma do século XX, em que Llosa detalha as características de cada década, dos anos 60 aos anos 80; e também uma tragicômica história de um amor que se eterniza despudoradamente, onde a mulher, metamorfoseando-se a cada cenário, é o algoz do homem —e cabe dizer que o homem, tal como se estuda nos compêndios de vitimologia, é uma vítima que colabora para o crime, que não sabe viver sem as judiarias da fêmea. Bata-me que eu me apaixono, aparece nos gestos deste embeiçado incorrigível.
Talvez Travessuras da menina má não chegue ter o sopro renovador de Conversa na catedral ou A guerra do fim do mundo (1981); mas ainda mantém viva a chama da literatura de Llosa.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br