O Misticismo em Balzac

Considerado o primeiro romance significativo do frances Honore de Balzac, A pele de Onagro (La peau de chagrin; 1831) traz divagacoes misticas

13/01/2020 14:33 Por Eron Duarte Fagundes
O Misticismo em Balzac

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Considerado o primeiro romance significativo do francês Honoré de Balzac, A pele de Onagro (La peau de chagrin; 1831) traz divagações místicas que podem ter existido aqui e ali em sua obra mas não com esta intensidade e o despudor que topamos nesta narrativa de feição gótica e um pouco medieval, ainda que se passe numa França a caminho da civilização depurada. Onagro, em português, como no francês “onagre”, é uma espécie de asno, um animal; o “chagrin” francês é algo aparentado do asno, a pele feita do couro do animal, mas este “chagrin” é também a tristeza, a contrariedade: a pele mística do animal, no romance de Balzac, aos poucos transforma-se na pele da própria tristeza da personagem central, Rafael, que no início da história pretende suicidar-se, jogando-se nas águas do Sena, e é impedido porque um senhor, na casa de jogo a que  Rafael vai, lhe apresenta a salvadora (cristã?) pele de onagro. A pele de onagro é mágica e infantil como a pele de asno dum conto de Charles Perrault, filmado pelo diretor francês Jacques Demy e citado (o conto de Perrault) por Balzac em certa altura de seu livro sinuoso, citatório e recitativo, intermediário entre o romantismo inicial da obra balzaquiana e o realismo de observações de suas crônicas romanescas da maturidade.

“À noite, as casas de jogo têm apenas uma poesia vulgar, mas cujo efeito está tão assegurado como o de um drama sanguinolento.” “Há no suicídio algo de grandioso e de terrível.” Que leva Rafael, um pré-arrivista antes de Eugênio de Rastignac e Luciano de Rubempré, a estar à beira do abismo? As dívidas de jogo, ambiente descrito hábil e longamente nas páginas iniciais do romance? As humilhações que lhe impõe uma figura de mulher perversa como Fedora, que se aproxima de Antoinette de Langeais, aquela duquesa de outro lugar balzaquiano, aquela criatura fantasmagórica que aconselha seu amado que não toque no machado, que poderia ser o próprio amor mundano? Tudo isto poderá ser explicado pelo encontro com a pele de onagro; no entanto, o texto de Balzac circula a razão e exibe o coração, evitando uma objetividade direta que ilumine a ideia do leitor com sua tese mística numa forma romanesca mais ou menos arcaica, quase pré-balzaquiana mesmo.

No final de O pai Goriot (1835) a personagem olha para o mundo social e desafia: “Agora é conosco!” Na frase final do simbólico e inominado diálogo de A pele de onagro alguém resmunga sobre a mulher fatal: “—Oh! Fedora, o senhor tornará a encontrá-la!... Ontem estava  nos Buffons, esta noite irá à ópera, está em toda parte. Ela é, se quiser, a sociedade.” Toda a literatura de Balzac, que escreveu para sobreviver e não, como seu patrício Gustave Flaubert, por motivos estéticos, ainda que a estética balzaquiana se tenha avultado com o passar dos séculos, é no fundo um ajuste de contas com a sociedade. Escrevendo, o escritor torna-se olímpico: o maior, ou pelo menos, um dos maiores.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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