O Ultimo Rito do Homem
Eutanasia, suicidio assistido e ortotanasia sao situacoes que atravessam sem pudores as paginas de Morrer Dignamente
Morrer dignamente; aspectos filosóficos, jurídicos e morais para morrer (2019) é uma dissertação de mestrado em Direito Consitucional de Anna Caramuru Aubert; mas, apesar do rigor técnico e acadêmico de suas reflexões textuais, é uma obra de amplitude de interesses para o leitor, atingindo amiúde densidades literárias em face da complexidade de seu tema, o ato de morrer como escolha do indivíduo. As ideias nas quais navega Anna mexe com coisas espinhosas. Ela própria começa seu relato falando de casos familiares: “Quando eu tinha em torno de 16 anos, meu avô passou os últimos anos de sua vida em nossa casa.” Anna parte de sua subjetividade para chegar a análises objetivas, argumentativas. A emoção talvez se esconda; mas está ali, disfarçada. Anna anota ainda: “Essa dissertação é sobre todas essas pessoas, e sobre nenhuma delas. É sobre a velhice, sobre a morte, sobre a doença, sobre o tempo, sobre a liberdade, sobre a democracia e sobre a diversidade. Em cada reflexão e em cada leitura, levei comigo as pessoas que perdi.”
O pensador liberal John Stuart Mill é uma das influências no norte de Anna para seu assunto difícil, cuja hesitação entre os arranhões emocionais e a lógica se estabelece a cada instante. Anna não esquece as dúvidas religiosas, morais, filosóficas, sociais que determinam as ações das pessoas para com a questão de o indivíduo escolher o modo de morrer. Mas o primado da autora é pela liberdade. Ela insta: o direito de viver não impõe o dever de viver. Eutanásia, suicídio assistido e ortotanásia são situações que atravessam sem pudores as páginas de Morrer dignamente. Anna estuda casos famosos, faz conexões entre vários países e suas aplicações jurídicas e costumeiras. Pensar no fim é sempre doloroso para o ser. Anna ataca este enfrentamento. Vai a muitas raízes. E sua reflexão chega, em certo momento a um ponto extremo: o direito de morrer de qualquer um não se restringe a ter uma doença terminal ou estar numa situação física ou mental insuportável para continuar; há o caso de um homem de 104 anos que, sem ter nada grave, queria o suicídio assistido porque simplesmente cansara de viver; o suicídio em si é um ato de liberdade ao indivíduo. O denominador comum de todas as ideias expostas ao longo da dissertação pode ser uma frase de Anna lá pelas tantas. “Uma vida sem liberdade não poderá, jamais, ser uma vida digna.” É a profissão de fé da mestranda para este muitas vezes complexo último rito do homem por aqui.
(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)
Sobre o Colunista:
Eron Duarte Fagundes
Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro ?Uma vida nos cinemas?, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br