O Cinema do Deslocamento

Alice nas Cidades leva o observador a constatar que certos filmes perduram forte na retina historica do cinema

09/06/2022 12:03 Por Eron Duarte Fagundes
O Cinema do Deslocamento

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Talvez o ponto mais radical do cinema do deslocamento como construção de um ritmo cinematográfico próprio esteja em Alice nas cidades (Alice in den Städten; 1973), do alemão Wim Wenders. É bem verdade que ele reiteraria seu processo itinerante em vários outros filmes, na busca da nostalgia de exibir/ver filme em No decurso do tempo (1976) e nas relações estranhas e divagantes de Paris, Texas (1984). Mas era uma outra coisa: nunca como em Alice nas cidades o deslocamento (das personagens, da ação, da câmara) foi tão fundamental para a linguagem. Para filmar este deslocamento, Wenders usou as câmaras em 16 mm; isto deu uma leveza de movimentos, especialmente nos travellings que circulam os cenários, leveza, frescor quase amadorístico, criando na montagem um ritmo, um cinema pobre, despojado, marginal que sofreria alguma ruptura dez anos depois, com a explosão comercial de Paris, Texas, retirando o cinema de Wenders daquele gueto típico dos anos 70, mas sem descaracterizar suas revoluções formais.

Rüdigler Vogler, ator habitual dos filmes de Wenders na época, vive um alemão que foi aos Estados Unidos, enviado por uma editora, para escrever um livro sobre a grande nação americana. O início do filme se dá em Nova Iorque. No começo da narrativa a personagem tem um velho carro, aparece sempre na imagem deslocando-se com o veículo; logo tem de vender o carro porque está precisando de dinheiro. Então suas andanças em cena se dão a pé pela cidade, com cenários de trânsito, como o aeroporto. É ali, tentando voltar para a Europa, que ele conhece a pequena Alice e sua mãe. É surpreendido quando a mãe de Alice desaparece, deixando-lhe um bilhete em que o incumbe de cuidar da filha dela. As relações entre o homem e a garotinha vão ser o mote das imagens de Wenders, de Nova Iorque até Amsterdã, onde procuram, Holanda afora,  pela avó da menina. Wenders filma com absoluta objetividade os percursos de seus dois seres, extraindo as tensões entre as personagens muito da forma com que filma e monta seu filme.

É de se observar também, revendo este filme de Wenders, como o cineasta brasileiro Karim Aïnouz o homenageou na sequência do aeroporto de O abismo prateado (2011): neste filme brasileiro a personagem de Alessandra Negrini, que em sua solidão se assemelha à de Vogler no filme alemão, encontra uma garotinha e seu pai. Mas em Wenders os aspectos tateantes da narrativa vão adquirindo, por uma felicidade formal qualquer, uma densidade íntima inesperada.

Alice nas cidades leva o observador a constatar que certos filmes perduram forte na retina histórica do cinema, ainda que seus processos estilísticos estejam localizados num tempo e espaço definidos, o cinema feito na Europa nos anos 70.

 

(Eron Duarte Fagundes – eron@dvdmagazine.com.br)

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Sobre o Colunista:

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes

Eron Duarte Fagundes é natural de Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1955; mora em Porto Alegre; curte muito cinema e literatura, entre outras artes; escreveu o livro “Uma vida nos cinemas”, publicado pela editora Movimento em 1999, e desde a década de 80 tem seus textos publicados em diversos jornais e outras publicações de cinema em Porto Alegre. E-mail: eron@dvdmagazine.com.br

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